Luiz Gustavo de Andrade

As astreintes nas ações de regulamentação de visitas

A simples leitura de um acordo sobre guarda e visitas homologado por um juiz de família, ou qualquer outro título judicial que fixe visitas (sentença ou decisão antecipatória de tutela), faz perceber que as partes ajustam, ou o magistrado impõe, uma obrigação de fazer. Isto porque ao mesmo tempo em que se reconhece o direito da criança de ser visitada por um dos genitores e deste genitor de visitar seu filho, estipula-se, em contrapartida, uma obrigação de fazer, consistente no dever do genitor que detém a guarda de permitir que o outro visite o filho ou filhos nos momentos estipulados e do visitante de cumprir os horários fixados.

A obrigação vence, para o genitor com a guarda (via de regra a mãe) exatamente nas ocasiões em que o outro (via de regra o pai) exerce o direito. Neste momento, deve a mãe cumprir a sua obrigação, entregando os filhos, sem criar embaraços ou obstáculos à efetivação de um direito primordial das crianças (de ficarem com o pai) e deste de, segundo o Código Civil, permanecer, fiscalizar a educação e manutenção destas (art. 1.589).

É certo que, nos artigos 461 e 461-A do CPC, estes introduzidos e alterados pela Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, o legislador pátrio ampliou as hipóteses de cabimento de provimentos judiciais com eficácia mandamental e executiva “lato sensu”, voltados à obtenção da tutela específica.

Tais preceitos instituem técnicas processuais aptas à obtenção da tutela das obrigações de fazer e não fazer e entrega de coisa, tal como se daria com o cumprimento espontâneo da obrigação. Para tanto, o legislador processual estabeleceu provimentos mandamentais e executivos lato sensu, tutela preventiva e inibitória, além da amplitude de medidas coercitivas e sub-rogatórias.

É o que se requer, muitas vezes, do Poder Judiciário, que este adote medidas necessárias a fazer cumprir a obrigação de observância dos horários de visitas. Trata-se, sem dúvida, de uma obrigação de fazer, tanto do genitor que detém a guarda, que deve cumprir os horários para entrega dos filhos, quanto do genitor que exerce as visitas, que deve pegar e entregar as crianças no horário estipulado. É evidente que melhor seria que os pais mantivessem um convívio harmônico, com diálogos constantes acerca do bem estar de seus filhos, tolerando alterações de horários e condições, em prol dos interesses da criança ou do adolescente. Mas a prática demonstra que tal convívio pacífico nem sempre se mostra possível, principalmente após uma separação litigiosa turbulenta que, com não pouca freqüência, marca o término de relações conjugais. Em sendo assim, a decisão judicial deve ter a força necessária para se fazer cumprir.

A obrigação de fazer consiste, justamente, em permitir a visita do genitor, nos dias, horários e ocasiões fixadas judicialmente. A obrigação de não-fazer consiste em não criar obstáculos que dificultem ou inviabilizem as visitas, sob pena de multa coercitiva diária (“astreintes” – art. 461, § 4.º, do CPC) ou incidente cada vez que descumprido o acordo ou a decisão.

A ação que condena em obrigação de fazer, cumulada com multa em caso de descumprimento, além de encontrar amparo legal é amplamente defendida pela doutrina: “A eficácia mandamental veicula uma ordem, acompanhada de mecanismos coercitivos, para o devedor cumprir, conforme for, a obrigação assumida ou definida em lei e imposta pelo juiz, relativa aos deveres de fazer, não fazer ou entregar coisa. A tutela específica é o resultado visado no mundo dos fatos, mediante a conduta do próprio demandado: a ação de direito material destinada a satisfazer o interesse do credor. Neste caso o juiz reconhece a pretensão, define a obrigação e ordena que o devedor a cumpra, sob pena de multa, coagindo-o, sem que seja preciso nova relação processual”(1).

Poder-se-ia cogitar da perda da guarda pelo genitor que a detém e impede que o outro exerça o direito de visitas, sob o argumento de o Estatuto da Criança e do Adolescente faculta tal sanção pelo descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Porém, tal entendimento não merece prosperar. Isto porque, na hipótese de aplicação da perda da guarda, por exemplo, da mãe, por não permitir que o pai visite o filho ou por não respeitar os horários deste de visitas, estar-se-ia, por vias transversas, punindo a criança, já familiarizada com o convívio materno. A ruptura brusca do convívio com a mãe pode não ser benéfico à infante. Ou seja, a criança pode acabar pagando (com a alteração de sua guarda) pelo erro da mãe.

Dentre os instrumentos processuais disponíveis, melhor seria, de fato, a aplicação de multa (“astreintes”) pelo descumprimento da obrigação de fazer (observância dos horários de visitação), com base no art. 461, do CPC.

Em que pese ainda tímida a discussão sobre a questão levantada, tanto no âmbito da jurisprudência, quanto da doutrina, é possível perceber algumas manifestações favoráveis à idéia. Newton Teixeira Carvalho chega a afirmar que: “quer nos parecer que as “astreintes’ poderão ser aplicadas em se tratando de descumprimento de horário de visitas, tanto por parte do guardião como por parte do visitante”(2). O mesmo autor cita trechos de decisão do TJMG, pela qual o Desembargador Armando Freire, decidira: “Se o acordo judicial firmado pelas partes, e devidamente homologado pelo juízo (…) regulamentando as visitas do pai à filha, vinha sendo desrespeitado pela mãe da menor que, comprovadamente, estava oferecendo resistência em ceder a guarda da criança nos dias acordados, legítima afigura-se a atitude do prejudicado, pai da infante, de buscar provimento judicial para cumprimento da obrigação de fazer em face daquela, nos termos do art. 461 e parágrafos do CPC, inclusive com a possibilidade da fixação de multa diária em face da requerida”(3). Evidente que o raciocínio contrário, de aplicação de multa ao pai que não observa os horários de visitas, também á válido.

A multa mostra-se, portanto, como instrumento processual efetivo, voltado à concretização da tutela específica, abrindo-se como alternativa a medidas mais drásticas, tais como busca e apreensão e inversão da guarda, medidas estas que nem sempre atendem aos primordiais interesses da criança e do adolescente.

Notas:

(1) MAFRA, Jéferson Isidoro. Dever de cumprir ordem judicial. Publicada no Juris Síntese n.º 40 – mar/abr de 2003.
(2) CARVALHO, Newton Teixeira. Astreintes no Direito de Visitas. In Direito das Famílias: em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. (Org. Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora RT, 2009. p. 517.
(3) TJMG, Ap. Civ. 1.0027.07.120067-2/001, Rel. Des. Armando Freire, j. 12/08/08.

Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba.

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