Em vigoroso artigo simultaneamente pautado pela preocupação com a unanimidade obtida no Senado e pelo entusiasmo de tintas direcionadas à defesa de um entendido “desamparo a todo e qualquer locatário”, bem como, à trombeteada agressão ao direito fundamental à moradia em contraposição ao estampado reforço aos direitos dos proprietários de imóveis, o professor Marcos Alves da Silva teceu considerações (veiculadas no dia 9/11 no site www.parana-online.com.br do jornal O Estado do Paraná) sobre o PL 140/2009 aprovado no último dia 28 de outubro pela já declinada Casa Legislativa.

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Assim e de plano, parabenizando a iniciativa do colega advogado em provocar o debate acerca da apelidada “Reforma da Lei do Inquilinato” – vez que, inegável é a importância de se refletir sobre tão significativa legislação – peço vênia para construir as sintéticas ponderações adiantes aduzidas, com o fito único de (aceitando o convite do mencionado docente articulista) estimular o verticalizar do pensamento a respeito da temática.

E assim o faço, inaugurando tal tentativa com a observação de que o atual quadro de senadores, como se sabe, é distribuído por treze partidários do DEM, um do PC do B, seis do PDT, dezesseis do PMDB, um do PP, três do PR, dois do PRB, dois do PSB, um do PSC, quatorze do PSDB, um do PSOL, onze do PT, oito do PTB e um do PV.

Nessa perspectiva, não é crível que um leque composto por tão diferenciadas orientações políticas-partidárias (leia-se, representantes de diversos segmentos da sociedade organizada), silenciasse de modo unânime numa calculada e maliciosa orquestração, acaso houvesse discordância com o projeto de lei que (como assentado pelo próprio advogado Marcos), foi objeto de precedente aprovação por mais de uma comissão da Câmara e do Senado.

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Portanto, o fato de não ter o projeto sido alvo (como almejado pelo professor) de acirradas discussões em sessão plenária, não permite dotar de razoabilidade a sua (do professor) chumbada assertiva de que “o conjunto de senadores jamais debateu a matéria”; máxime porque, por óbvio, que as comissões são formadas pelos próprios membros daquela Casa, valendo a respeito ilustrar que a de Constituição, Justiça e Cidadania é composta por vinte e três senadores (consoante se vê do Regimento Interno do Senado).

Portanto, antes de se desfraldar a bandeira de um imaginado complô ou conluio em desfavor de locatários e fiadores, é preciso abandonar dois equivocados enfoques.

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O primeiro, atrelado ao contexto de que sobre os ombros dos locadores recairia a obrigação de assegurar o “direito à moradia”, vez que este, é primordial e inafastável dever do Estado consoante Emenda Constitucional 26/00 que incluiu aquela (moradia) entre os denominados direitos sociais.

E o segundo, quanto ao fato de que tanto o locatário quanto o fiador, são agentes maiores e capazes que têm o dever de serem responsáveis pelos compromissos assumidos e de conhecerem os direitos que lhe são plenamente assegurados; até porque, desde a lei de introdução do vetusto Código Civil de 1916, já se advertia que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.  

Vai daí que, somente quando despidos desta míope demagogia – que facilmente poderia ser contraposta nesta mesma linha de raciocínio pela lembrança de que o aluguel para o locador, é, na grande maioria das vezes, a suada complementação de uma parca aposentadoria –  e deste olhar que insiste em fazer de todos os locadores vilões e de todos os locatários e fiadores, presas incapazes e indefesas daquele, é que conseguiremos focar o correto espírito do legislador, essencialmente voltado para o aperfeiçoar de um texto de lei que, ao atingir sua maioridade (1991), reclamava, de fato, ajustes para continuar equilibrando o mercado (atente-se, mercado) e regulando de modo especializado as relações jurídicas e processuais que emanam deste particular universo.

Com efeito, o esforço em personalizar e especializar o texto inquilinário, fazendo com que este (que abriga normas de viés civil, processual e penal, estas últimas, diga-se, todas em defesa do direito do locatário) seja consagrado de modo independente e quase autossuficiente como regulador deste nicho, desemboca no cristalino raciocínio de que as alterações e os acréscimos propostos, ao maciçamente espelharem o que a jurisprudência pátria já vinha decidindo e assim dotarem a lei do inquilinato de ferramentas já dantes utilizadas de modo suplementar e titubeante (art. 79 da Lei 8.245/91), contribuirão, de modo indelével, para a celeridade e a efetividade das questões submetidas ao Estado-Juiz e quiçá o desafogar deste (Poder Judiciário).

A propósito, se o ilustre professor milita na área comentada, por certo que já se deparou com inusitadas (na acepção de inacreditáveis) situações em que, apesar da comprovada inadimplência do locatário e da inércia do fiador, o imóvel permanece ocupado pelo renitente devedor enquanto, por anos a fio, o processo se perde em incontáveis labirintos nos quais se discutem pontos periféricos que desvirtuam o correto assentar de um reprovável tabuleiro material pautado pela inadimplência.

De outra margem, e ao contrário do esposado no pensamento ora repicado (com o devido acatamento de estilo merecido por todo e qualquer crítico do texto da proposta), assinalo de modo objetivo que o projeto aprovado, por outro ângulo, se revela:

a) ajustado ao espírito do Código Civil de 2002 (que prestigia a boa-fé na contratação – arts. 421 e 422) e da União Estável (nascida pelas leis de 94 e 96) abolindo com relação a esta última a pecha estigmatizante das relações concubinárias;

b) esclarecedor ao detalhar:

b.1. o critério a ser adotado na devolução antecipada do imóvel pelo locatário prevendo que a multa deste será calculada na proporção dos meses faltantes;

b.2. a clara diferença entre a fiança civil e a locatícia, logrando assim por espancar a dúvida que frequenta os tribunais pátrios a respeito da permanência das garantias (especialmente a fiança) quando o contrato já se encontra prorrogado por prazo indeterminado;

b.3. e enxugar a relação entre locatário e locador e, a primeira vista, deixar sobre a responsabilidade exclusiva deste a indenização devida pela não renovação da locação;   

b.4. e oficializar o que a jurisprudência já havia pacificado quanto ao chamamento do fiador na ação de despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança;

c) protetor da figura:

c.1. do fiador, ao prever que:

c.1.1. além dos casos de ruptura da sociedade matrimonial ou da união estável, igualmente o falecimento do locatário deverá ser comunicado ao garantidor, oportunizando assim, que este solicite a exoneração da fiança (e isso independentemente do contrato estar vigendo por prazo determinado);

c.1.2. o locatário não pode valer-se da emenda da mora, se tal faculdade já foi utilizada uma vez nos últimos vinte e quatro meses, o que sem dúvida, evita que o fiador permaneça atrelado a uma locação rotineira e reiteradamente inadimplida;

c.1.3. a modificação no controle do quadro societário da pessoa jurídica afiançada, caracteriza cessão da locação (e se não autorizada caracterizará infração contratual), vez que, tal contexto somente reforça a natureza personalíssima e intransferível do favor prestado (fiança);

c.2. do inquilino ao dispor sobre:

c.2.1. a permanência da responsabilidade por cento e vinte dias do fiador que pretende se ver exonerado (superando assim o prazo de sessenta dias previsto pelo CC), o que, sem dúvida, concede fôlego (ao locatário) para a obtenção de garantia substituta;

c.2.2. a possibilidade de que o locatário sumariamente provoque a extinção do feito despejatório via purga da mora no prazo dos quinze dias da intimação liminar;

c.2.3. a citação do fiador na ação de despejo por falta de pagamento, fazendo com que este seja considerado co-personagem ativo e solidário da relação locacional, tal como almejado pelo locatário;

c.2.4. a obrigatoriedade do locador oferecer caução correspondente a três meses de aluguel para que, por exemplo, o locatário inadimplente seja liminarmente despejado;

c.3. do juiz

c.3.1. ao enumerar, de forma didática, as (limitadas) hipóteses de concessão liminar fazendo com que o julgador, com segurança, avalie o quadro que lhe é apresentado e assim julgue sem precisar recorrer, por exemplo, ao genericamente trabalhado (e de modo muito mais amplo) pelo artigo 273 do CPC;

c.3.2. ao economizar tempo material e processual prevendo a expedição de mandado único concentrador da notificação para desocupação voluntária e de despejo compulsório acaso aquela não se concretize, assegurando ainda que o oficial de justiça responsável pelo cumprimento da diligência conserve/retenha o mandado até a consumação das ordens judiciais.

Por derradeiro, cumpre ainda anotar dois essenciais vértices. Um, relacionado ao fato de que se protecionista (em relação ao locador) fosse realmente o PL objeto, este não teria olvidado a possibilidade (já amplamente assegurada pela jurisprudência) de que a caução exigida pelo locador (para a concessão liminar ou a execução provisória) fosse representada pelo próprio crédito ou ainda pelo próprio imóvel. E o segundo, quanto à circunstância de que eventual fraude na “melhor proposta de terceiro” que venha a funcionar como fator de negativa de renovação, obviamente pode ser reprimida e/ou corrigida/reparada pelas ações judiciais cabíveis.

Carlos Roberto Tavarnaro é advogado.