As forças profundas que movimentam a política são sempre limitadas por um contexto que define a capacidade de ação com êxito dos agentes que comandam as instituições. Longe de um conjunto esotérico, há efetivamente vetores de tração que direcionam as opções de uma organização social. Estas linhas paralelas ao poder, para o bem ou para o mal, introduzem limitadores as opções da ação política.

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O desejo individual de um governante raramente é suficiente para alcançar um destino coletivo. Mas, as histerias e as patologias individuais podem preparar sociedades inteiras para o destino suicida. Nas democracias incontáveis agentes movimentam as forças profundas e buscam garantir interesses próprios e eventualmente comuns. Nas teocracias os interesses dos grupos que fracionam o poder não são distintos, e os interesses coletivos, mesmo que místicos, são suplantados pela genialidade do iluminado.

Estados Unidos e Irã são arquétipos da limitação dos meios de controle social sobre as metástases que contaminam corpo político. Desnecessário é um comentário depreciativo sobre a doxa neoconservadora que ultrapassa o razoável para difundir a idéia de um mundo viável sobre o poder wasp. Já a teocracia iraniana atua em contradição aos interesses da sociedade e se encaminha para um conflito absurdo por interesses torpes e inaceitáveis.

Ambos provam a insuficiência da república sobre o poder materializado. No Irã, o processo de ampliação de determinadas liberdades obtido por Khatami foi rapidamente diluído pelo fanático Ahmadinejad, que devolveu aos persas a insignificância do isolamento político e do autoflagelo xiita. A opção nuclear de Ahmadinejad pode ser um engodo ou um salto para uma crise ainda mais grave em todo o Oriente Médio que pode se estender para a região do Cáspio.

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O Irã de hoje vive o mal-estar por conta do papel inferior desempenhado pela mulher na sociedade, o desastre de uma indústria petroleira defasada, a crise de uma economia em estagflação, o lapso da ausência de parâmetros econômicos alternativos sólidos motivado por uma gestão largamente planificada da indústria, do comércio de bens e serviços e a miséria política pela inexistência de uma classe social com capacidade de articulação de uma resistência conciliadora dos interesses nacionais.

No passado recente o governo Bush-Blair utilizou um argumento inventivo para tentar legitimar uma agressão contra o Iraque. Não há garantias de que falsos ou descomedidos detalhes vão colocar o mundo diante de um novo cenário bélico. A liberdade soberana blasonada como limite da interferência externa é absolutamente incapaz de evitar uma agressão internacional com fundamento em princípios do ideário comum. Estes princípios não aceitam que os persas tenham armas nucleares ou possam extorquir do Oriente um mínimo de possibilidade pacífica que ainda poderia existir.

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O vigor dos motivadores parece novamente insignificante. Mas, outra vez, o mundo supõe soluções brandas, pontuais e diplomáticas para mais uma crise e não dispõe suas capacidades para um esforço coletivo em direção ao equilíbrio. A liberdade, determinadas expectativas de consumo e de prazer e alguma crença no futuro, aos quais o ocidente está subordinado, tem custos altos e depende de equações como a discutida. A mesma será resolvida com conflito ou diplomacia, mas a transferência da responsabilidade vai estar associada a uma potência central creditada como imperialista. Poder sem responsividade é tirania democrática ou teocrática.

Leonardo Arquimimo de Carvalho é pesquisador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV).