Os possuidores de armas de fogo (isto é, quem tem arma de fogo em casa ou em seu local de trabalho, sendo dela proprietário) foram beneficiados, pela terceira vez, por força do art. 32 do Estatuto do Desarmamento bem como da Medida Provisória 253/2005, com uma espécie de ?anistia? que assegurava a total irresponsabilidade penal até o dia 23.10.2005 (esse foi o prazo máximo para a entrega de qualquer arma de fogo – legal ou ilegal para a Polícia Federal).
O Estatuto do Desarmamento, como já salientamos anteriormente, previa três espécies de ?anistias?:
(a) no art. 30 aparecia a primeira modalidade de ?anistia? em relação às armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: podiam seus proprietários solicitar o registro, livrando-se da responsabilidade criminal (hoje isso já não é possível).
(b) no art. 31 acha-se a segunda espécie de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: caso não queiram registrar a arma, podem entregá-la para a Polícia Federal, a qualquer tempo, mediante recibo e indenização;
(c) o art. 32 contemplava a terceira forma de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas (e adquiridas licitamente ou não): podiam entregar a arma (de uso permitido ou restrito, porque a lei não distingue) para a Polícia Federal, até o dia 23.10.2005.
Tais anistias, sempre é bom frisar, só beneficiavam os ?possuidores? de arma de fogo, leia-se, quem possui arma em sua residência ou em sua empresa (nesta última hipótese, só o proprietário desta é que tinha sido contemplado). Não se pode confundir posse com porte de arma: a posse (em residência ou empresa) estava amplamente anistiada; já o porte (arma fora da residência ou da empresa) não conta com nenhum favor legal.
Durante seis meses, contados da edição do regulamento da Lei 10.826/03, vigoraram todas as ?anistias? acima descritas. Só nesse período, mais de 200 mil armas foram recolhidas pelo Estado. O prazo para entrega das armas expirou-se em 23 de dezembro de 2004.
Por força da Medida Provisória 229, de 17 de dezembro de 2004 (art. 5.º), foram prorrogados os prazos previstos nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03, tendo por termo final o dia 23 de junho de 2005. Em outras palavras: até essa data vigoraram as ?anistias? dos arts. 30 e 32 (recorde-se que a do artigo 31 não tem nenhum limite temporal).
Na data de 23 de junho de 2005 publicou-se nova Medida Provisória (253/2005), que prorrogou o prazo da entrega das armas até 23.10.2005. Comparando-se essa segunda Medida Provisória com a primeira, nota-se uma clara diferença: enquanto esta prorrogou os prazos dos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003, a mais recente (MP 253/2005), só cuidou do art. 32. A nova ?anistia? só favoreceu a entrega da arma de fogo à Polícia Federal, pelo seu possuidor. Trezentas e quarenta mil armas foram arrecadadas (até junho de 2005). O governo prorrogou o prazo de entrega até o dia 23.10.2005. Quase 500.000 mil armas foram entregues. Nova prorrogação, agora, não foi aprovada. Logo, desde 24.10.2005, a única ?anistia? que restou é a do art. 31.
O que isso significa na prática? No Brasil há cerca de 8,5 milhões de armas não legalizadas; 2,5 milhões já tiveram registro (tem origem lícita). Continuarão, portanto, amparadas pelo art. 31 citado. Outros 6 milhões são armas de origem não comprovada. A partir de 24.10.2005 seus possuidores passam para a clandestinidade. Conclusão: são 6 milhões de novos criminosos no país, que estão cometendo o crime do art. 12 do Estatuto do Desarmamento (punição de 1 a 3 anos de detenção).
Tudo quanto acaba de ser dito não decorre do referendo, sim, do próprio Estatuto do Desarmamento. O possuidor (em casa ou no trabalho) de arma de fogo de origem lícita conta com o direito de entregá-la para a Polícia Federal por prazo indeterminado. Enquanto a arma não sair dos locais citados, não há que se falar em crime, prisão ou processo criminal por isso.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG – Cursos Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais www.lfg.com.br)