A Ética é um dos temas mais pesquisados nas últimas décadas da idade contemporânea. Assim, por se constituir em uma matéria que trata especificamente deste objeto, a Bioética tornou-se um dos assuntos mais comentados nos meios acadêmicos e científicos. Sugere a formação de grupos de pesquisas para o aprofundamento do estudo que se tornou autônomo da ciência a que se submetia, a Medicina. No entanto, para que um bom desenvolvimento na construção do conhecimento bioético seja eficaz, é necessário, antes de tudo, explanarem-se tópicos como sua origem, seus fundamentos e princípios que o norteiam.
A Grécia Antiga é o berço da filosofia do mundo ocidental, no entanto, é um engano pensar que a riqueza cultural daquele povo se restringe a Sócrates, Platão e Aristóteles. Prova disto é que a Ética na Medicina tem origem no mesmo território em que as raízes da filosofia estão plantadas. “O Juramento Hipocrático (ordenamento médico com objetivo de equilibrar os valores e necessidades do paciente com a arte de seu ofício) talvez seja o mais antigo texto moral que a humanidade conheça e que vem sendo repetido a cada conclusão do curso médico por todos os quadrantes do ocidente”. Desta forma, acredita-se que a Bioética se iniciou com Hipócrates (460-377 a.C.), ou seja, que já exista há mais de 24 séculos. Contudo, as opiniões divergem, e quem não considera esta a gênese da Bioética, acredita que seu surgimento partiu de estudos iniciados na década de 40 do século passado.
De qualquer forma, uma consciência coletiva de respeito à vida sofreu um forte abalo após o término da segunda guerra mundial com a divulgação – por meio do Tribunal de Nuremberg – das atrocidades e experimentos médico-científicos, feitos pelos nazistas, dentro e fora dos campos de concentração. Deste fato, o grande abismo que se abrira entre os valores do humanismo e a ambição para novas descobertas cientificas despertou o interesse da filosofia, da religião, da sociologia, dos estudiosos das ciências biológicas e do Direito pela defesa da dignidade da vida. No entanto, o termo bioética veio a ser criado somente em 1971 pelo oncologista americano Van Rensselaer Potter na obra Bioethics: a bridge to the future”. Três anos mais tarde, o Congresso Americano constituiu uma Comissão que teve como principal objetivo a “identificação de princípios éticos básicos que norteariam a experimentação em seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina”. Desta Comissão derivou o Relatório Belmont que identificou três grandes princípios da Bioética: o da Justiça, da beneficência e autonomia. Em 1979, Tom Beauchamp e James Childress (filósofos americanos) incorporaram a estes o princípio da não-maleficência.
Porém, antes de discorrer sobre seus princípios, é necessário que se explane o que é a Bioética. Se num primeiro momento poderia restringir-se ao Juramento Hipocrático, atualmente, segundo Tereza Rodrigues VIEIRA, a Bioética “indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares que objetiva elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço das tecnociências médicas”. Já a Encyclopedia of Bioethics define a Bioética como “um estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção com a saúde, sendo esta conduta examinada à luz de valores e princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética médica, tratando da vida do homem, da fauna e da flora”. No entanto, por se tratar de um assunto complexo e muito polêmico, a definição de Bioética seria muito arriscada. Um conceito que agradaria a gregos, não seria satisfatório para troianos. Todavia, seus quatro princípios são respeitados quase pela unanimidade dos estudiosos.
O princípio da autonomia procura respeitar os valores morais, crenças e o “livre-arbítrio” do ser humano pelo domínio de sua própria vida, ou seja, pela vontade do paciente em querer ou não se submeter a um tratamento. O documento chamado Termo de Consentimento, no qual o paciente – ou seu responsável nos casos da incompetência absoluta ou relativa – assina após concordar com o método e o objetivo da pesquisa a que será submetido é uma das garantias deste princípio. Já o princípio da beneficência procura maximizar os benefícios a que se submete o paciente. Busca-se evitar danos ou tratamentos não reconhecidamente úteis e necessários. “O médico deve informar ao paciente acerca dos riscos e benefícios, além de dar sua opinião sobre o caso, mas a decisão final caberá ao paciente, principal interessado”. Por outro lado, o princípio da não-meleficência decorre da minimização dos malefícios. “É a garantia de que danos previsíveis serão evitados. Este princípio, muitas vezes, entra em choque com o princípio da autonomia, porque nem sempre o que é melhor na visão do médico o será na do paciente”. Por fim, o princípio da Justiça procura a eqüidade na distribuição entre os pacientes, ou seja, obedece ao princípio jurídico em que os iguais devem ser tratados com igualdade.
O histórico e os princípios são fundamentos que possibilitam um aprendizado didático a respeito do que se constitui a Bioética. Em contrapartida, resta lembrar que a evolução tecnológica caminha em progressão geométrica enquanto muitos valores da humanidade encontram-se estagnados por séculos. Assim, para proteger algo que é julgado como parte da cultura de um povo, em face de alguma transformação(ao invés de evolução), é necessário estar-se calcado em conhecimentos sólidos que fundamentem o que se procura preservar. O Direito é uma das ferramentas que auxilia o homem na defesa de seus interesses e, sem querer desprezar outros ramos de conhecimento, somente ele tem a força de positivação de normas que procuram regular ou, ao menos, equilibrar em um prato da balança os “avanços” sociais e tecnológicos e no outro os valores protegidos pelo cidadão comum. Finalmente, resta a questão: o ser humano é capaz de estabelecer este equilíbrio?