Apreensão e repúdio

Volta e meia o espírito inquisitorial, que tanto mal causou à humanidade em tempos remotos da História e que por esse motivo exponencial sequer deveria ser relembrado, insiste em alçar sua horrenda cabeça para urrar que ainda está vivo. Dessa vez, ele reapareceu na forma da multa imposta pelo juiz eleitoral Francisco Carlos Shintake ao jornal Folha de S. Paulo e à revista semanal Veja, pelo fato dos respectivos veículos terem publicado entrevistas da ex-ministra Marta Suplicy, atualmente candidata do PT à Prefeitura Municipal de São Paulo. O juiz fundamentou a condenação no argumento de que as entrevistas caracterizaram propaganda eleitoral prévia e, portanto, irregular.

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), jornalista Maurício Azedo, afirmou aos jornais que a entidade ?vem acompanhando com apreensão, nos últimos anos, pronunciamentos do Poder Judiciário que envolvem a liberdade de imprensa?, sublinhando que o sentimento de dúvida ?se transforma em tristeza por ver juízes e promotores despreparados editando sentenças e despachos que representam um pesado agravo à Constituição?.

A posição do presidente da mais prestigiosa instituição representativa do jornalismo brasileiro, até poucos anos liderada pela inatacável personalidade de Barbosa Lima Sobrinho, um dos maiores patrícios de todos os tempos, é de lucidez e coerência com as tradições da Casa, na defesa intransigente tanto da liberdade de expressão quanto do direito dos cidadãos à informação.

Também a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), em nota assinada pelo presidente Jairo Mendes Leal, divergiu da interpretação do juiz Shintake que atribuiu significado inexistente às entrevistas de Marta, proclamando com inteira razão que ?a publicação de matérias jornalísticas com candidatos jamais poderá ser considerada propaganda eleitoral?. Não bastasse a justa manifestação de ambas as instituições, a sociedade deve dar guarida à apreciação do respeitado jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal (STF), para quem o risco vai além da mera sentença de condenação: ?Vivemos um furor regulatório que está nos levando a um Estado policial?.

A ponderação do ex-ministro Célio Borja, muito mais que colocar a sociedade em estado de contínua vigilância, faz a cidadania ciente de suas obrigações para com a nacionalidade, retroceder no tempo e no espaço até os anos de chumbo do discricionário regime de força que fez o País acordar sob a ditadura militar, na manhã do dia 1.º de abril de 1964. Na mesma linha de raciocínio, a nota da Aner acrescenta que ?depois dos anos duros de ditadura militar, que impôs a censura prévia à manifestação do pensamento, e após a reconquista do Estado de Direito, a sociedade brasileira não pode silenciar-se frente a qualquer ato que possa representar obstáculo ao exercício da liberdade de expressão ou ao direito do cidadão de ter livre acesso à informação?.

Inteiramente solidário com as corajosas manifestações de repúdio a quaisquer arreganhos que tencionem reabrir as portas para o retorno da censura, o jornal O Estado do Paraná faz suas as palavras ecoadas Brasil afora para lamentar a visão claramente equivocada do juiz eleitoral paulista, que em nenhuma hipótese teria razões para enquadrar como propaganda irregular uma entrevista concedida a veículos de comunicação social por candidatos a cargos eletivos.

Aliás, é preciso bradar em alto e bom som que depois de quase três décadas do restabelecimento das garantias fundamentais no País, é inimaginável nutrir a pavorosa idéia de que o garrote vil da exceção volta a nos ameaçar. Da mesma forma, não há consistência na tese de que os eleitores são seres desprovidos da capacidade de avaliação, para discernir eles próprios quem merece, de fato, o sufrágio. É muito mais proveitoso deixar que o eleitor decida por si mesmo. 

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