Três anos depois da aprovação do Plano Diretor de São Paulo, – que visa a organizar o crescimento urbanístico da cidade – uma das características fundamentais da nova legislação começa a se revelar, ainda que timidamente, nas ruas paulistanas: os edifícios de uso misto, com torres residenciais e comércio. E com os primeiros projetos concebidos sob as novas diretrizes começando a ser lançados, especialistas avaliam que a paisagem da cidade só deve começar a mudar mesmo na próxima década.
“O Plano Diretor é uma lei de médio e longo prazo, então para que se note realmente os efeitos, é preciso tempo. Demora mais de dez anos para que se consolidem os primeiros efeitos reais do novo plano, mas nesse meio tempo algumas coisas já começam a se perceber”, afirma o arquiteto e urbanista Valter Luis Caldana Junior, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. “A fachada ativa é o retorno da conscientização de que a cidade precisa ser de uso misto. E essa ideia já pegou”, completa.
Conforme o jornal O Estado de S. Paulomostrou com exclusividade em 2015, um ano após a aprovação do Plano Diretor a emissão de licenças para prédios de uso misto mais do que dobrou na cidade. Foram liberados no período 120 edifícios que mesclam moradia, comércios e escritórios, ante 55 empreendimentos do tipo no ano anterior à aprovação da legislação.
O empreendimento VN Capote Valente, em Pinheiros, é um exemplo das consequências do novo código. Originalmente concebido sob a legislação urbanística anterior, o projeto – da construtora Vitacon – teria inicialmente 12.480 metros quadrados de área construída estritamente residencial. Seriam 188 unidades espalhadas em 8 andares – 188 vagas para carros, nenhuma para bike. Com a aprovação do Plano Diretor, o projeto foi revisto e mudou de cara. Os mesmos 2,8 mil metros quadrados de terreno vão abrigar agora um prédio de uso misto com área total de 28.429 metros quadrados – dos quais 1,7 mil destinados para lojas. Serão 27 andares, com 269 unidades. Na garagem, 255 vagas para carros e 70 para bicicletas.
“Anteriormente tínhamos um residencial que quase se negava para a (avenida) Rebouças. Com a nova legislação, decidimos rasgar o projeto anterior e começar um novo, do zero, para aproveitarmos o aumento do potencial construtivo que a lei permite”, diz o arquiteto Douglas Tolaine, do escritório Perkins+Will.
O empreendimento, porém, tem lançamento previsto apenas para o fim de agosto. A construção só deve começar em março do ano que vem e, com pelo menos 18 meses de obras, só será inaugurado de fato no segundo semestre de 2019.
‘Conjuntos nacionais’
De certa forma, o Plano Diretor atual vai incentivar a criação de vários “conjuntos nacionais” pela cidade – usando aqui o caso do famoso condomínio da Avenida Paulista, uma verdadeira praça aberta e movimentada, como referencial. Não que tais obras já não existissem antes – o próprio Conjunto Nacional, dos anos 1960, é exemplo. “Mas agora, com a legislação que dá esse incentivo, ficou mais fácil convencer nossos clientes, mostrar para eles aquilo que já acreditávamos: que empreendimento de uso misto são mais interessantes para a vida na cidade”, diz a arquiteta Grazzieli Gomes Rocha, do escritório Aflalo/Gasperini.
É desse escritório, por exemplo, o projeto do edifício FL 4300, na Avenida Brigadeiro Faria Lima. Anterior ao Plano Diretor em vigência, ele já compreende um uso misto. “Queríamos que o projeto chamasse a Faria Lima para dentro. Criamos no terreno uma grande praça, atrás da torre de escritório, arborizada e confortável”, diz o arquiteto Luiz Felipe Aflalo Herman.
Outro exemplo de projeto concebido antes do atual Plano Diretor, o Habitarte, no Brooklin, teve sua primeira parte entregue este ano. É residencial, mas conta com supermercado no térreo. No interior, tem uma verdadeira praça pública com uma obra de arte assinada pelos irmãos Campana e brinquedos para a criançada.
Modo de viver. Para o arquiteto Fernando Vidal, do escritório Perkins+Will, o uso misto não é decorrência apenas do Plano Diretor. “Há um modo de viver que está evoluindo. A vida das pessoas está mais dinâmica, então o trabalhar, o morar, o se divertir e o se alimentar estão cada vez mais em conjunto nas grandes metrópoles”, avalia.
O uso misto foi o que levou a fisioterapeuta Beatriz Bratefiche, de 25 anos, a alugar um apartamento no tradicional edifício Copan, na República, região central, há dois meses. Ela vivia em Pirituba, zona norte, mas queria estar mais perto do trabalho, no centro. “Olhei vários prédios na região. O que me fez escolher o Copan foi justamente a facilidade de ter tudo no mesmo local, principalmente restaurantes e lanchonete”, conta.
É com o uso, com a ocupação, que vem a sensação de segurança, aliás. “Começamos a pensar nisso como solução para segurança. Vivemos em uma cidade onde este é um tema de grande inquietação”, diz Aflalo Herman. “Não adianta fazermos condomínios murados, com um verdadeiro clube dentro, e os moradores não se sentirem seguros nem para sair passear com o cachorro na calçada.”
Para Lúcio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, incentivar fachadas ativas e “forçar que os prédios deixem de ter uso único” foi o grande trunfo do Plano Diretor. “O uso múltiplo é muito importante para a cidade”, diz. “Por outro lado, precisamos cobrar agora que sejam feitas leis para detalhar o plano, que é genérico.” (Colaborou Fabiana Cambricoli)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.