Chamou minha atenção, dias atrás, anotado em grandes letras na parede do banheiro de uma instituição de ensino, um anônimo protesto. Dentre outras coisas, reclamava: ?Revolucione-se. Orkut e MSN são a comunicação do futuro, e a instituição nos privou disso…?. Conjeturei sobre o perfil do autor da escrita algo insólita… Que idade tem o mensageiro, é um usuário (ou usuária) constante da internet cuja possibilidade de acesso está principalmente na escola que freqüenta? Que sentidos atribui ao ato de ?revolucionar-se?, que para esse oculto mensageiro assumiu a condição gramatical de verbo reflexivo?
Com o relato, tenho a intenção de conduzir a uma interrogação fundamental para entendermos o papel que as tecnologias têm assumido na sociedade contemporânea, especialmente na educação dos jovens: que tipo de consumo e que estratégias de utilização de novas tecnologias – como os celulares, os computadores e a Internet – foram construídos?
As pesquisas mais recentes indicam que está sempre mais caracterizado o perfil de uma juventude born to buy, ou seja, nascida para comprar! Isso certamente nos assusta, pois, sobretudo nos estudos feitos com base na análise da população dos EUA (que inspira e difunde seu modo de vida para todo o planeta!), percebeu-se que a nova geração se constitui como objeto de marketing, sendo que aquilo que importa, acima de tudo, é o momento da compra: a aquisição tornou-se o elemento central de seu modo de vida. O ato da compra esgota-se em si mesmo, alimentado pelas idéias de uso que o sujeito pode fazer do objeto! De certo modo, o atual estágio das ricas sociedades de primeiro mundo permite ao indivíduo que ele mesmo invente os significados dos objetos e a utilidade que lhe dará, vinculando-os à sua própria qualidade de vida. A que ponto chegamos! Quando li sobre a pesquisa que mostra esses resultados, iluminaram-se algumas ?hipóteses explicativas? que eu mesmo buscava sobre certos usos dos celulares e da Internet por jovens de diferentes camadas sociais e níveis de escolaridade, aqui no Brasil. Você viu, por exemplo, dias atrás, quando o programa Central da Periferia mostrou na tela a inesperada quantidade de lan houses na Cidade de Deus, espaços midiáticos que naquela favela carioca (para nós, inesperadamente!) estão sempre lotados, segundo os depoimentos entusiasmados dos adolescentes e jovens ouvidos na descontraída reportagem.
O competentissimo sociológo italiano Scanagatta, que recentemente nos brindou com suas investigações sobre a juventude italiana e sua relação com as tecnologias, reúne as categorias explicativas dos fenômenos sociais citados em torno de algumas afirmações. Primeiro, que a Sociologia da Educação (européia e americana, especialmente) vem trabalhando com a hipótese de que na situação de consumo o objeto perde o seu valor intrínseco, ou seja, é comprado porque o sujeito lhe define um valor de uso que insere nas suas próprias relações sociais. Por conseguinte, o sujeito ?fabrica? o valor do objeto baseado em quatro pontos: adaptando a funcionalidade aos seus projetos; construindo-lhe ou mudando os seus valores simbólicos; inserindo-o em uma rede de relações sociais e fazendo-o tornar-se um ?braço operativo? próprio.
A relação entre os modos de consumo e as formas de utilização das tecnologias é, portanto, bastante complexa. Então pergunto: Quando discutimos a inserção das tecnologias no ambiente escolar, não é preciso questionar tanto seu papel educativo como seu papel socializador? Pois se as pessoas podem utilizar as tecnologias pelos sujeitos na mesma medida em que podem expandir sua imaginação criativa, elaborando novíssimos e inusitados significados e funcionalidades, como estabelecer parâmetros e mecanismos de controle sobre o seu uso ou abuso? Talvez resida aí uma das dificuldades dos educadores para lidar com a inserção das tecnologias nas práticas educativas: queremos que as crianças e jovens façam ?exatamente? os usos escolares que nós planejamos, sendo que, muitas vezes, nossa capacidade de imaginação criativa no ato de projetor talvez esteja mais limitada que a juvenil! Isto porque, cotidianamente, as mesmas crianças e jovens conhecem e desenvolveram múltiplos outros usos ?não-escolares? do computador, da comunicação em rede, das funções dos celulares. Parece que ouço alguém falando: -Eles (os jovens!) utilizam essas máquinas e suas funções para coisas que eu nem imaginava, não têm medo… vão logo apertando tudo o que está pela frente (as teclas, o mouse)! Eu tenho receio de fazer algo errado, apertar em algum lugar que não devia e acontecer sei lá o quê!
Para apimentar um pouco mais a discussão, apresento uma classificação sobre os possíveis usos da Web no mundo juvenil, conforme o pesquisador da Bisi (2003). São quatro dimensões: a utilitária, a lúdica, a participativa e a íntima. Os aspectos utilitários se referem à vontade ou necessidade de buscar notícias, pesquisar. A dimensão lúdica está relacionada aos usos para videojogos e outras brincadeiras. O aspecto participativo, fundamental ao meu ver, se vincula à utilização dos chats, à troca de e-mails e à participação em redes ou comunidades. E a comunicação através do computador para fins ?pessoais? define a dimensão íntima.
Com base nisso, elaboro uma das indagações que mais pode perturbar a nós, docentes! Na vida social mais ampla, fora dos muros das escolas, as crianças e jovens podem vir a contar com a possibilidade simultânea de uso da Internet nas quatro dimensões descritas. Porém, na escola, é comum o estabelecimento de regras permitindo o uso dos computadores somente de acordo com a dimensão utilitária, para fins que entendemos como eminentemente didático-pedagógicos, relacionados à aprendizagens pertinentes. Fica proibido brincar, jogar, conversar com os amigos nas salas de bate-papo, no Orkut, via MSN; também não se admite que, durante a aula, esteja acontecendo alguma ?azaração? virtual! Diante de tanta restrição, aumentamos a possibilidade de que algum aluno nosso saia da classe e vá ao banheiro, onde, sem teclado nem mouse, escreve nas paredes! Afinal, comunicar-se um pouco mais de acordo com seu repertório social de relações depende da autoridade docente.
Ademir Valdir dos Santos, docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná (ademir.santos@utp.br)