Adimplemento, em sentido estrito, indica cumprimento da obrigação. Por vezes também é chamado de pagamento, implemento, solução, satisfação, quitação. A par disso, atualmente, emerge na doutrina e na jurisprudência a “Teoria do Adimplemento Substancial”, derivada do Direito Inglês(1), onde é conhecida como substancial performance(2).

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O Código Civil de 2002 não previu, formalmente, o adimplemento substancial. Sua aplicação vem se realizando com base nos princípios da boa-fé objetiva (CC/02, art. 422), da função social dos contratos (CC/02, art. 421), da vedação ao abuso de direito (CC/02, art. 187) e ao enriquecimento sem causa (CC/02, art. 884)(3).

O adimplemento substancial analisa a obrigação em seu aspecto essencial, e não secundário. Examina se, no caso concreto, a obrigação foi cumprida em seus pontos relevantes, importantes, essenciais(4). Não supervaloriza elementos de somenos importância.

O adimplemento substancial não permite, por exemplo, a resolução do vínculo contratual se houver cumprimento significativo, expressivo das obrigações assumidas.

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Nas palavras de Clóvis do COUTO E SILVA é “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização(5)”.

Avalia, portanto, o grau de “descumprimento” da obrigação em toda sua extensão, e não de maneira isolada ou com base na literalidade de certas cláusulas contratuais ou disposições legais que, em juízo apressado, poderiam autorizar a resolução do contrato.

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Neste contexto, se ínfimo, insignificante ou irrisório o “descumprimento” diante do todo obrigacional não há de se decretar a resolução do contrato, de maneira mecânica e autômata, sobretudo se isso conduzir à iniqüidade ou contrariar os ideais de Justiça.

O adimplemento substancial atua, portanto, como instrumento de eqüidade diante da situação fático-jurídica subjacente, permitindo soluções razoáveis e sensatas, conforme as peculiaridades do caso.

A “Teoria do Adimplemento Substancial” tem sido aplicada, com freqüência, em contratos de seguro. Suponha-se um contrato desta natureza, firmado pelo prazo de um ano, em que se convencionou o pagamento do prêmio em 12 (doze) parcelas mensais.

Assim, se o sinistro ocorreu no 11.º mês, ocasião em que o segurado se encontrava em atraso quanto à prestação correspondente, não é razoável a negativa da indenização pela seguradora, mesmo que se invoque o art. 763, do CC/02, a saber: “Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”.

Em casos tais, antes de se recorrer à interpretação literal de dispositivos legais ou contratuais, é preciso aquilatar o contrato em toda sua extensão; o comportamento das partes no decurso do vínculo; os efetivos e reais prejuízos, de parte a parte; a natureza e a finalidade do negócio; o número das prestações pagas etc. Somente desta forma, poder-se-á avaliar se, de fato, houve descumprimento real, e não meramente formal, do contrato.

A não ser assim, corre-se o risco de se chancelar, por via oblíqua, interpretações que ofendam ao bom senso e conduzam ao absurdo, o que colide com preceitos de hermenêutica.

Atenta a isso, a jurisprudência, sensível à temática, e não se deixando seduzir por regras que possam conduzir à iniqüidade, tem adotado uma postura mais flexível. Observe-se: Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial.

O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante.

O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.

Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. (STJ REsp 272739 / MG Min. Ruy Rosado de Aguiar 4.ª Turma DJ 2/4/2001 p. 299).

Vê-se, portanto, que o “adimplemento substancial” se contrapõe ao “inadimplemento fundamental”(6). Neste último, a resolução é de rigor, porquanto, efetivamente, há descumprimento da obrigação em seus elementos primordiais, inclusive com a frustração das legítimas expectativas das partes depositadas no vínculo, muitas vezes acompanhadas de danos à parte inocente.

Com base nestas premissas, pode-se dizer que, para a configuração do adimplemento substancial, são necessários os seguintes pressupostos: a) – cumprimento expressivo do contrato; b) – prestação realizada que atenda à finalidade do negócio jurídico; c) – boa-fé objetiva na execução do contrato; d) – preservação do equilíbrio contratual; e) – ausência de enriquecimento sem causa e de abuso de direito, de parte a parte.

Com efeito, avaliar se suposta circunstância fática importa em descumprimento de contrato sob a perspectiva do adimplemento substancial impõe examiná-lo sob as lentes da realidade concreta vivenciada pelas partes, e não sob uma perspectiva formal-obscurantista, apegada a peias legais que somente contribui para o distanciamento entre o Direito e a Justiça.

Em suma, a recepção em nosso sistema jurídico da “Teoria do Adimplemento Substancial”, além de estar em perfeita sintonia com os princípios e valores que norteiam o Direito Civil contemporâneo, atuando como fator de correção e adaptação de disposições legais e contratuais à realidade, é medida que se impõe como mecanismo de materialização da justiça contratual.

Notas:

(1) Um dos primeiros casos sobre o tema foi Cutter versus Powell, de 1795. Na ocasião, Powell contratou Cutter como imediato do navio em viagem que se iniciou em 2/8/1793, saindo de Kingston-Jamaica com chegada em 9/10/1794 em Liverpool. Contudo, Cutter faleceu em 20/9/1794, não “concluindo” o contrato, no entendimento de Powell. Todavia, a viúva de Cutter ingressou em juízo e obteve êxito na demanda junto às Cortes da Equity. (BECKER, Anelise. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, n. 1, v. 9, nov. 1993, p. 62.).
(2) Na Itália é conhecido como “inadempimento de scarsa importanza”.
(3) MOURA, Carolina Maria Melo. Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato de Seguro (Monografia no Curso da Escola da Magistratura do Paraná Núcleo Londrina inédito), 2007.
(4) BUSSATA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37.
(5) Apud BECKER, Anelise. Op. cit., p.62.
(6) OMAIRI, Elissane Leila. A Doutrina do Adimplemento Substancial e sua Recepção pelo Direito Brasileiro. . Acesso em 9/9/2008.

José Ricardo Alvarez Vianna é juiz de Direito em Londrina-PR e mestre em Direito pela UEL.