Vai ser difícil para o governo, apesar de todo o arsenal disponível de desculpas destinadas a esconder o óbvio, atenuar a clara percepção do tamanho da crise intestina que transformou em ferrenhos antagonistas empenhados em autêntica briga de foice, alguns dos auxiliares próximos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que em passado recentíssimo, na condição de corifeus do petismo de resultados, dispunham de cadeiras cativas no chamado núcleo duro da administração e dele foram expurgados por circunstâncias nebulosas, com os que prosseguem encalacrados como ostras no casco da avariada embarcação.
A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que levou ao cárcere por algumas horas figuras de projeção social, econômica e política como Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta, nesse momento em fase avançada de descrédito e inquinada de extensa gama de defeitos e deslizes alardeados posteriormente por especialistas em filigranas jurídicas, acabou fornecendo um material de fácil combustão a antigos operadores do governo Lula, imbuídos da obsessão de aproveitar todas as oportunidades para fechar o cerco em torno dos que assumiram os postos vagos em face de desvios de conduta incompatíveis com a relevância das funções executadas.
As editorias políticas dos principais jornais do País informam que é profundo o fosso a separar o polêmico José Dirceu, todo poderoso ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, do atual ministro da Justiça, Tarso Genro. Aliás, a aberta divergência entre ambos não é nova, vez que sempre estiveram em campos opostos disputando a hegemonia do controle político do diretório nacional do PT. Com a derrocada de Dirceu, abatido de forma irremediável pelas denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, o homem que chamou a atenção do País para o mensalão, Genro passou a desfrutar a posição de homem de confiança do presidente Lula, concluindo por sua vez que era o momento de estender tal prestígio sobre o partido.
Há poucas semanas, os jornais davam a entender que o ministro da Justiça estava à frente de um grupo preparado para implantar no PT um novo campo hegemônico, nos moldes do minguado Campo Majoritário que não resistiu ao fracasso de seu morubixaba absoluto, o ex-ministro José Dirceu. Como em litígio político todos os expedientes são válidos, mesmo os mais sórdidos, a claque de Dirceu não titubeou em associar à pessoa do ministro da Justiça os supostos exageros cometidos pelo agora afastado delegado Protógenes Queiroz, responsável pelo constrangimento dos presos a quem mandou algemar, além da concessão de exclusividade à Rede Globo na gravação da patética cena da prisão do ex-prefeito Celso Pitta ainda em trajes de dormir.
O presidente Lula valeu-se de seus bons ofícios para cortar o embalo do nascente e indesejável ressentimento entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus aos encarcerados e foi o primeiro a apontar a ?espetacularização? da Satiagraha, e o ministro Tarso Genro, a quem está subordinada a Polícia Federal. Lula, diga-se de passagem, que também reprovou o uso de algemas e apontou um visível tom cinematográfico na operação, enquadrou como exagero e abuso de poder a invasão da casa do empresário Eike Batista. Deve ter ficado mais tranqüilo com a retirada de ação do Elliot Ness caboclo.
Resta a descobrir o que pensa e o que fará Lula para amenizar as divergências entre correligionários que se debruçaram sobre o espólio petista com um apetite de Pantagruel. Afinal, 2010 está chegando e é sempre oportuno lembrar que a própria indefinição do candidato mais forte à sucessão, torna o terreno propício ao afloramento de vaidades muitas vezes escondidas nos recônditos da alma. Estejamos certos de que essa discussão ainda vai causar muitos estragos. Quem viver verá.