Um orçamento público freqüentemente é uma ficção, não raro uma mera adivinhação e quase sempre apenas uma declaração de intenções. É um longo e enfadonho documento que o governo envia ao Congresso com uma carrada de números e rubricas, mais chato que ler lista telefônica. Os estados e municípios também fazem orçamentos. A lista telefônica, como dizia o demente que a lia no hospício, quando perguntado, é um interessante romance de ficção, mas com personagens demais. O orçamento também. Por definição, é um documento em que o governo estima receitas e prevê despesas. Duas coisas duvidosas, pois a primeira depende da arrecadação, que, por sua vez, depende do andar da economia, da sonegação e daí por diante. E as despesas, a única coisa que se sabe é que só crescem. E se a gente consegue segurá-las, é dizendo sonoros nãos aos pedidos e demandas dos políticos e do povo.
O nosso orçamento federal é, além de uma ficção, uma lei sempre acrescida de um montão de despesas que os deputados e senadores inventam para depois mostrar aos seus eleitores e cabos eleitorais, fingindo que estão tentando atender aos seus pedidos e assim, conquistar-lhes os votos. Na verdade, dessa enxurrada de emendas, apenas uma ou outra é para valer. As demais são em boa hora cortadas, pois é dinheiro no papel e não dinheiro de papel. Não existe. Outro problema do nosso orçamento federal é que ele tem sua maior parte amarrada. Esta verba só pode ser usada para isso; aquela, só para aquilo. Para os governantes, poucas verbas restam para ser usadas de acordo com seu juízo, ou falta dele.
Quando Lula foi eleito e pouco antes de ser empossado, o Financial Times publicou artigo de um brasilianista inglês dizendo que se o novo presidente brasileiro tivesse juízo não manteria o superávit primário de 3,75% prometido (e conseguido) por FHC ao FMI, para que sobrasse dinheiro para pagar os juros da dívida e, se possível, parte do capital emprestado. Falou em algo como 5% do PIB, um absurdo aos olhos dos petistas mais radicais, mas não, pelo que se vê, da equipe econômica do atual governo. Recordemo-nos que quando o governo passado falou em subir o superávit primário de 3,5% para 3,75%, levou pau dos petistas, que diziam que o governo estava economizando para dar dinheiro aos banqueiros, enquanto o povo passava necessidade. Em tempo: superávit primário é a diferença positiva do que se arrecada e do que se gasta, excluídos os juros.
Pois Lula ignorou a gritaria dos radicais do seu partido e parece que ouviu o analista inglês. Subiu o superávit de 3,75% para 4,25%. Ou um pouco menos, pois seu governo declarou que houve um engano na feitura do orçamento pelo governo FHC, que subestimou despesas em cerca de R$ 8 bilhões, o que não é impossível, em se tratando de obras de ficção. Lula cortou do orçamento nada menos de R$ 14 bilhões, declarando que estão preservadas as verbas para os programas sociais. Foi muita coragem e juízo de sobra. E louvável que esteja tentando preservar os programas sociais, embora isto nos pareça também uma ficção. Se verbas são cortadas de qualquer setor do governo, direta ou indiretamente o setor social acaba penando junto. A estrada que não se duplica ou constrói causa desemprego, para dar apenas um exemplo. Mas, afinal de contas, o que fazer? Parece-nos que a única solução era fazer o que foi feito. Ou quebrar, como previu o inglês.