Quando a liberalidade se transforma em libertinagem ou licenciosidade e há a tendência de adoção do ?deixa pra lá?, a notícia de que o Ministério Público entrou com ação contra o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, por improbidade administrativa, surpreende. É verdade que não basta parecer honesto, é preciso ser honesto. Mas isso sempre foi mais um ditado do que mandamento. Maciel, secretário da Receita Federal até dezembro de 2002, foi um funcionário respeitado e não aparentava apenas parecer respeitável. Foi considerado um dos melhores quadros do governo federal e, durante toda a sua gestão, só se pode acusá-lo de ter sido enérgico, conhecedor de seu importante trabalho e de conceito inabalável. E é possível que essas qualidades continue tendo. Mas o Ministério Público Federal, que não brinca em serviço, e é uma instituição que vem agindo de forma séria, numa época em que a galhofa muitas vezes é a regra, o acusa de ter violado ?os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade? devidos ao órgão que dirigiu.
A ação é de autoria dos procuradores Lauro Cardoso e Valquíria Quixadá. Eles afirmam que Maciel permitiu, de modo consciente, que Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar Carneiro, funcionários da Receita Federal, atuassem no setor privado contra o fisco, o que a lei proíbe. Eram consultores de empresas privadas e, ao mesmo tempo, altos funcionários da Receita. Na primeira função, agiam contra a repartição governamental. Tal ação não seria apenas proibida por lei, mas também um comportamento antiético.
Os dois eram sócios de uma consultoria contratada pela empreiteira baiana OAS. A partir de 1994, receberam R$ 18,6 milhões da construtora baiana depois de terem conseguido reduzir o valor de um auto de infração contra a empresa de R$ 1,1 bilhão para R$ 25 milhões. Assim, obtiveram um vultoso benefício em favor de seus clientes particulares às custas dos cofres públicos. Formalmente, os dois especialistas estavam afastados do emprego público quando serviram à OAS. Acontece que, depois de reassumirem sob o comando de Everardo Maciel, ainda atuaram em favor da construtora e teriam até elaborado um parecer usado pela construtora no Conselho de Contribuintes.
A notícia é de que Everardo foi alertado da atuação de Sandro e Paulo Baltazar no setor privado, através de uma representação do deputado Ivan Valente (PSOL-SP) e Maciel ignorou a denúncia. Daí, surgiu a ação contra ele. Na denúncia, escrevem os procuradores: ?Portanto, a omissão do secretário, sabendo que ambos eram sócios de empresa de consultoria tributária e assessoramento de contribuintes, constitui, por si só, violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições?. Esta é a quinta ação movida contra Everardo Maciel pelo mesmo procurador, um dos dois que assinam a atual ação. Nas anteriores, a Justiça deu ganho de causa ao ex-chefe da Receita Federal, que considera tudo perseguição contra ele.
No ponto em que a ação do MP está, nada é conclusivo. A considerar-se o fato de que Maciel sempre pareceu honesto e, até aqui, ações e investigações contra ele mostraram que é honesto, é de se torcer que, mais uma vez, sua inocência seja provada.
Mas é auspicioso ver que existem ações rigorosas de parte do Ministério Público e oxalá também venham de outros órgãos, estabelecendo sempre mais rigor na apuração de atos contrários à ética, à moral, aos bons costumes, às regras e leis e contra o erário público; que poderemos estar começando um processo que no futuro poderá exigir que andar na linha não prescinda de muita retidão. Senão, cai. E que a indulgência para com atos e omissões, até aqui considerados de somenos, desapareça. Há o certo e o errado. Nada de continuar na base do deixa pra lá, mesmo que o visado seja um Everardo Maciel ou um coroado Renan Calheiros.