Só o Uruguai apareceu na reunião do Mercosul convocada pela Venezuela nesta quarta-feira, 24, em Montevidéu. Em um sinal de está distante o consenso necessário para definir a presidência semestral do bloco, Brasil, Argentina e Paraguai ignoraram o chamado, feito por Caracas na noite de terça-feira. Os três países defendem uma coordenação compartilhada do Mercosul até janeiro, quando os argentinos assumem o posto por critério de ordem alfabética.
Caracas se declarou ocupante do posto após o Uruguai deixar a presidência vaga, no dia 29, mas seu mandato não é aceito pela maioria. A razão política alegada para isso é a crise institucional e econômica que atravessa o governo de Nicolás Maduro. Há também um argumento jurídico, de que os venezuelanos não cumpriram no prazo uma série de normas alfandegárias e de respeito aos direitos humanos. O país tinha até o dia 12 para adaptar sua legislação à do bloco, mas há cerca de 500 pontos pendentes.
A diplomacia uruguaia admitiu que os venezuelanos não respeitaram a exigência, o que despertou no trio que se opõe à chegada de Caracas à presidência a esperança de unidade. Entretanto, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, alegou que não há punição prevista nesses casos e os demais países também desrespeitam normas. Outro fator que tinha criado expectativa sobre uma mudança da posição uruguaia havia sido um recuo de Nin Novoa diante do Brasil. Após ter insinuado em uma audiência parlamentar que o Itamaraty tentara comprar o voto uruguaio sobre o tema com benefícios comerciais, o chanceler disse que se tratava de um mal-entendido.
O chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, rebateu na segunda-feira o argumento venezuelano e uruguaio de que “todos desrespeitam as normas”. Ele sustenta que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, por serem fundadores, estão sujeitos a outro ritmo de cobrança e só a Venezuela, por ter entrado depois, tinha e cumprir os requisitos em quatro anos. Caracas foi aceita no bloco em 2012, com pressão brasileira e argentina sobre o Uruguai, durante a suspensão do Paraguai em razão do impeachment relâmpago de Fernando Lugo.
A punição até hoje é considerada injusta por Assunção, que congelou suas relações diplomáticas com Caracas ao retirar no início do mês seu embaixador no país e estabelecer que não há data para retorno.
A Venezuela convocou a reunião desta quarta-feira logo após o término de um encontro na véspera, também na sede do Mercosul em Montevidéu, em que coordenadores dos quatro fundadores do bloco debateram alternativas para o impasse. A diplomacia venezuelana foi convidada, mas alegou que não se tratava de um compromisso oficial por não ter sido chamado pela presidência ?- ela, no caso. Além do Uruguai, participou da reunião desta quarta-feira um representante da Bolívia, país que está em processo de adesão.
O coordenador venezuelano do bloco, Héctor Constant, ressaltou ao final do encontro que o ato foi convocado pela presidência pró-tempore e citou o que havia sido “aprovado”, sem se referir às ausências de Brasil, Argentina e Paraguai. Entre as prioridades de Caracas, ele citou o aprofundamento dos contatos com Cuba, China e Rússia, bem como a continuidade das tratativas com a União Europeia por um tratado de livre comércio. Ele também apresentou a proposta de um “Mercosul musical”, inspirado nas orquestras jovens venezuelanas, a anunciou uma cúpula de povos indígenas em 12 de outubro. Constant era identificado por um pequeno cartaz em que estava o logotipo do Mercosul e a palavra “presidência”.
Embora não seja reconhecida no cargo, a Venezuela tem tentado exercer seu mandato. A chanceler Delcy Rodríguez, que acusou Brasil, Argentina e Paraguai de formar uma Tríplice Aliança de direita contra seu governo, esteve na Índia na sexta-feira e falou em nome do bloco. “Abordamos o tratado de livre comércio entre Mercosul e Índia, e decidimos falar de temas para expandir esse acordo”, afirmou ela de Nova Delhi à televisão estatal VTV. (Rodrigo Cavalheiro)