Apelos de Lula

Nada contra o esporte. Mas o Poder Legislativo começou o ano, na segunda-feira, com a pauta trancada pelo projeto de lei que trata do estatuto do torcedor. É um grande tema, mas até os torcedores concordam que as reformas pelas quais o País inteiro torce há muito tempo são mais importantes no momento. Disse-o, em outras palavras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ler, pessoalmente, a tradicional mensagem do Poder Executivo na abertura do ano legislativo que, não sem atraso, inicia.

O acontecimento, carregado de significados, foi propositalmente espetaculoso, atraindo atenções e autoridades de todos os naipes. Eventos dessa natureza têm o mérito de manter no ar esse clima de recomeço que desde primeiro de janeiro respiramos, já não sem estarmos, antes, ansiosos com o longo tempo da transição. Tem-se a impressão que, agora, com o Executivo e o Legislativo cumprindo expediente, o País engrena e começa a se movimentar, apesar da proximidade do Carnaval, que tudo pára.

Poucos foram os presidentes brasileiros que realizaram o gesto de ir pessoalmente ao Congresso para discursar. Diz a crônica que apenas José Sarney, hoje presidente do Senado, imitou velha prática do governo dos Estados Unidos. A presença de Lula no Congresso, segundo o Planalto, é uma deferência muito grande ao parlamento, já um pouco amuado com a instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – essa espécie de legislativo particular do presidente.

Os apelos do presidente Lula foram óbvios em sua maioria. Afinal, as promessas já maduras de reformar a Previdência, a legislação tributária, a legislação trabalhista, a estrutura sindical, a legislação política e tudo o mais, fazem parte de uma pauta cujo sucesso depende do vivo empenho do parlamento. Sem ele – e o PT, o partido do presidente, sabe melhor que todos – nada haverá de acontecer. E no parlamento o Executivo não tem por enquanto, nem somados todos os amigos dos amigos de última hora, tranqüila maioria. Não seria por outro motivo que a preocupação presidencial vai além do que parece óbvio.

Assim, não seria exagerado dizer que o simpático gesto do presidente Lula tem tanto a ver com interesses objetivos na formação de uma maioria que lhe dê sustentação parlamentar que com eventual simbolismo institucional. Enquanto rolam discursos na tribuna e diante dos microfones, pelos bastidores seguem as negociações com o PMDB – um partido que tem-se demonstrado tanto dividido quanto duro na queda. Seu apoio ao governo Lula pode sair mais caro do que se previa inicialmente. Afinal, todos sabem que, mesmo após a vergonhosa pulação de galho que antecede o início de uma nova legislatura, Lula tem apenas 254 deputados mais ou menos garantidos na Câmara (o mínimo seriam 257 para a maioria absoluta), enquanto no Senado, apenas 31 (dos 41 necessários) lhe são promessa de voto seguro. E sem maioria parlamentar, as reformas pretendidas podem mixar outra vez.

Assim, os apelos pelas reformas realizados pelo chefe do Poder Executivo aos integrantes do Poder Legislativo misturam-se aos não menos insistentes apelos pela formação de um bloco de sustentação confiável e duradouro, que prescinda do negócio do aliciamento de votos no varejo, de todo prejudicial e deletério aos interesses mais elevados da nação e do povo brasileiro. Nem que para isso o PT tenha que lutar – como já vem lutando – contra a instalação da primeira CPI da era Lula que, por sinal, tem na mira um seu aliado chamado Antônio Carlos Magalhães.

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