O Brasil continental tem, em números redondos, um milhão e meio de quilômetros de estradas. Pouco mais que dez por cento disso – 160 mil quilômetros – são pavimentados. Mas oitenta por cento desse total estão em situação precária. Este é o negro mapa rodoviário brasileiro que emerge de um trabalho realizado pelo Centro de Estudos de Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Passemos a outro dado revelado pelo mesmo estudo: o transporte rodoviário representa hoje cerca de sessenta por cento de toda a carga transportada Brasil afora. Grande como é, nosso território carece de uma eficiente malha ferroviária. O transporte fluvial quase não conta. E apesar da imensa costa brasileira, cabotagem também pouco conta. Nos Estados Unidos, a participação das rodovias não passa de 26%; na Austrália, 24%, e na povoada China, com apenas oito por cento, é a estrada quase insignificante.
Além de prejudicar a competitividade de nossos produtos no exterior, já atrapalhados pela incidência exagerada de tributos e encargos, a precária situação de nossas estradas eleva também os custos dos produtos consumidos pelos brasileiros, aqui dentro de nossos quintais. Os custos representados pelo conluio buraco-pedágio-assalto, aliados aos preços cada vez maiores do seguro, em alguns casos, chegam a ser maiores que o custo original do próprio produto transportado. E diante dessa realidade o governo se cala e quase nada faz.
Nem se fale aqui do custo representado pelo elevado número de mortes ao longo de nossas trágicas estradas. Geralmente costuma-se dizer que essa tragédia diária e contínua representada pelos acidentes é decorrência de imprudência, imperícia e outros fatores que desmerecem apenas a responsabilidade humana no teatro de ir e vir. Mas é claro que as condições das estradas têm peso muito alto no elevado número de acidentes, assim como elas respondem pelo alto desperdício dos produtos ao longo delas transportados.
Esses dados tornam ainda mais trágicas as informações apenas reveladas pela Confederação Nacional do Transporte, segundo as quais o governo está desviando descaradamente os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Cide, criada essencialmente para melhorar a rede rodoviária. Dos dois bilhões de reais arrecadados no primeiro trimestre deste ano, apenas pífia importância (cerca de setenta milhões de reais) foi destinada ao setor de transportes. Não existem números (ou se existem não foram revelados) acerca de desvios anteriores. Nem desde quando o desvio existe. Um crime sem punição.
Não bastasse isso tudo, vem agora o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada – Sinicon para fazer outra revelação: no Brasil de poucas obras, existem 111 obras na área do transporte rodoviário paradas por alegada falta de verbas. Isto, segundo a mesma entidade, significaria um bilhão de reais de investimento a menos nas estradas brasileiras. Pior ainda: o governo não pagou o que deve dos poucos serviços contratados entre 2002 e 2003. A dívida, já negociada e renegociada algumas vezes, chegaria perto dos seiscentos milhões de reais – um senhor calote que, no mínimo, terá que ser deduzido das previsões orçamentárias para o setor.
Com esses e outros dados na mão, o Sinicon e a Associação Nacional do Transporte de Cargas empatam numa previsão nada otimista e carregada de trágicas conseqüências: corremos o risco de um “apagão logístico” no País. Ou seja, um apagão no transporte, já ameaçado pelos cada dia mais constantes bloqueios das estradas por sem-terra, sem-teto e outros sem-juízo. O governo de Lula que tome nota e cuide urgentemente do problema para, depois, não ter que usar o argumento de seu antecessor na área de energia elétrica – isto é, o desconhecimento da tragédia anunciada.