Aos legatários

Recentemente na XIX edição dum congresso brasileiro realizado na capital bandeirante, cuja presidência era virtualmente ocupada pelo saudoso Geraldo Ataliba, tivemos a oportunidade de conhecê-lo em conferência proferida numa daquelas tardes. O tema constitucional era bastante atual, assim como seus ensinamentos, apesar de ter sido gravada em 1994, na Associação dos Advogados de São Paulo.

Os conferencistas e palestrantes que conviveram com ele foram unânimes em afirmar a falta que faz nestes dias, devido à sólida base teórica, capacidade de indignar-se e poder de ação. Toda vez que um Ministro se manifestava contrário à Constituição, pessoalmente ligava e chamava-lhe atenção quanto à interpretação adotada. Seu prestígio era tanto que o STF que não tem tradição em prestar homenagens conferiu-lhe uma última, pois 4 de seus Ministros compareceram em seu funeral em São Paulo e, em conseqüência, naquele dia o STF não julgou.

Para nós que literalmente moramos no campo, em Campo Mourão, tivemos oportunidade de mirar o olimpo e conviver naqueles dias com parte da elite do direito brasileiro. Pelo que disseram nenhum deles jamais conseguirá preencher o espaço deixado pelo Mestre, contudo, com o devido respeito, cremos que o grande legado daquele pontificado é que há um lugar que pode ser ocupado por cidadão consciente, quiçá para aquela lacuna precise-se de diversos, mas será que a união dos discípulos e comungantes não podem dar continuidade também em sua atuação cidadã, vez que aos seus ensinamentos teóricos não faltam expoentes? A verdade é que ninguém vai além do seu tempo, por melhor que seja; pelo menos para os que ficam e precisam dar conta da momento atual.

Particularmente, entre os ministros, o único para quem poderíamos ligar e expressar nossa indignação cívica era para o Ministro do STJ Milton Luiz Pereira, pois sua ligação com nossa terra é muito estreita, visto que comandou o Poder Executivo de nosso Município, isto sem mencionar a atenção com que sempre atendeu àqueles que o procuraram. Contudo, por duas razões hoje isto se faz impossível, já que, a um turno, sempre judicou cultuando o direito, promovendo a dignidade da pessoa humana e os valores constitucionais, ainda que sua trincheira se prestasse à defesa da legalidade; a dois turnos, porque se aposentou. Vale registrar que sempre retornou os telefonemas àqueles que o procuraram, independente do status do interlocutor. Por sinal, era mais fácil falar com ele em Brasília do que com alguns juízes e promotores das varas do nosso Estado. O problema, portanto, é das pessoas, não dos cargos que ocupam.

Mas que isto não sirva de desculpa, pois se desconhecemos ministros, conhecemos os juízes das comarcas e a nossa parte podemos fazer; assim como pessoas de maior envergadura (cada um no seu devido lugar) também podem procurar os judicantes que conhecem, seus ex-colegas de faculdade, ex-alunos, amigos do dia a dia, e mostrar-lhes que antes de serem bacharéis são cidadãos conscientes e atuantes.

Já disseram que da planície se vê melhor a montanha, do interior mirando a capital é impossível não enxergar professores que ainda que não tenham nos ensinado na academia os comezinhos do ofício, são mestres de todos nós pela capacidade de solidariedade, indignação e ação.

Por força das circunstâncias desconhecemos Geraldo Ataliba, salvo por dois de seus livros indicados na graduação, todavia cremos imprescindível espelharmo-nos nas figuras de René Ariel Dotti que no congresso paranaense dos advogados levanta-se em defesa da sociedade frente aos escândalos envolvendo o governo federal; Luiz Edson Fachin, que há muito defende a distribuição da justiça: vale lembrar seu discurso representando a OAB/PR na posse da advogada indicada pelo quinto constitucional a ocupar o cargo de juíza do extinto Tribunal de Alçada do Paraná, Rosana Amara Girardi Fachin, quando afirmava que o direito não está morto; Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, pela capacidade de fundar a consciência crítica e inspirar em seus alunos a paixão pela justa advocacia; Antônio Alves do Prado Filho, que seja como professor, advogado ou desembargador sempre mostrou caminhos a se percorrer em busca da efetiva justiça, sem falar no seu cavalheirismo no trato com as pessoas. Todos grandes (nos seus lugares) que sempre se ombreiam aos pequenos com urbanidade.

Mas é verdade que se galgaram estas posições é porque foram inspirados por outros gigantes em seus tempos e, assim, provavelmente as teses doutrinárias defendidas por E. D. Moniz Aragão, J. R. Vieira Neto, De Plácido e Silva, Rubens Requião, Ildefonso Marques, José Lamartine Correa de Oliveira etc. sofreram mudanças e evolução, contudo os exemplos de condutas são atemporais.

Todos, além de outros que não citamos, certamente ensinam além daquilo que podemos aprender nos livros, pois são exemplos e remetem-nos à paixão pelo direito e ao exercício da cidadania.

Mencionamos indiretamente a UFPR e diretamente seus decanos porque sendo a mais antiga certamente tem seus egressos em outras universidades, em diversas varas e tribunais, entretanto, a exemplo de Ataliba, independente da faculdade cursada ou mesmo sem ela (veja-se o grande advogado Salvador de Maio, que era rábula), podemos também cobrar dos operadores do direito maior observação ao texto constitucional, pois talvez assim os descasos com a interpretação e distribuição da justiça parem de ser tão constantes.

Por fim, do congresso ficaram três sentimentos básicos: primeiro, frustração por não ter conhecido mais aquele que ainda inspira tantos; segundo, consternação por ter sabido que o presidente virtual, pessoa generosa e desprendida, deixou-se levar, egoisticamente, pelo tabagismo, pois o prazer que o cigarro lhe dava é a falta que até hoje faz (um grande homem deve preservar-se também pelos seus); derradeiramente, a convicção de que o espaço deixado deve ser preenchido por todos que comungam dos mesmos ideais, principalmente pelos advogados, pois temos o dever de defender toda sociedade.

Douglas Renato de Brzezinski é advogado, especialista pelo IBEJ.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo