Ao violino

Se a mulher quer trocar a geladeira, precisa discutir antes se há dinheiro para pagar. Caso contrário, não pagando a conta, a loja vem e leva a geladeira nova embora. É preciso administrar a coisa pública com essa visão. Toda vez que pensar em reajuste de salário ou em assumir compromisso novo, o governante terá de saber de onde tirar o dinheiro com que vai pagar a conta.

O – digamos assim – cartesiano conselho é de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito, ao falar no começo da semana a antigos companheiros de sindicato, maioria aposentados, aos quais prometeu tratar da questão previdenciária “como nenhum governo nunca tratou”. Antes de pegar um violino de cujas cordas tirou alguns grunhidos, enquanto posava para fotografias, Lula explicou que essa promessa não é compromisso de campanha, mas de vida, “porque a vida inteira brigamos por isso” e “agora é hora de concretizar aquilo pelo que lutamos há 30, 40 anos”.

Ao violino, Lula poderia dizer mais. Mas calou-se. Já fizera a crítica necessária ao governo atual, ao afirmar que “houve uma certa irresponsabilidade” pela não-concessão de reajuste ao servidor público durante os últimos oito anos. Não foi bem assim, muita gente teve melhorias substanciais, mas o futuro supremo magistrado da nação já antecipou o que poderá a Justiça fazer em futuro breve: “Depois se perde na Justiça e fica mais difícil para o governo cumprir”. Para Lula, o resultado do que classifica de falta de política salarial do atual governo poderá causar problemas sérios para as próximas administrações. Incluindo a sua.

A história da geladeira poderia ter sugerido a Lula mais prudência em matéria de sugestões. Em sete anos, a folha do funcionalismo público federal literalmente dobrou de valor, em função, principalmente, de reajustes diferenciados concedidos pelo governo. Aconselhar o caminho da Justiça, mesmo que por vias transversas, pode ser um tiro no próprio pé. Outrora mestre em obter diferenças salariais na Justiça como forma de fazer pressão sobre o governo, o pessoal do PT pode ser agora emparedado pelas reclamações de reposição geral sobre valores já individualmente reajustados. Especialistas na matéria dizem que há fumaça de bom Direito no argumento, embora saibam ? como Lula também sabe ? que quem vai pagar a conta será, sempre, o contribuinte.

Para melhorar a situação da Previdência, Lula envereda pelo caminho do aumento da arrecadação. E isso, segundo ele, pode ser feito de duas formas: criando mais empregos e/ou regularizando a economia informal. José Dirceu, seu homem forte, entretanto, vê outras alternativas, incluindo algumas que se apóiam no corte das despesas. Uma delas já deve estar tirando o sono de muita gente. Dirceu anda dizendo com todas as letras que benefício integral não é mais possível. Isto é, a sociedade não poderá mais garantir a aposentadoria integral para os servidores públicos, como acontece hoje. No passado, alguém chamou isso de privilégio odiento e o PT fechou questão na defesa do que dizia entender como direito. Inviabilizou a reforma ampla, como estava desenhada pelo regente FHC. Agora é Lula quem rege a orquestra. E, como se vê, do violino de Lula não saem sons agradáveis a muita gente.

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