O paciente internado na UTI pode até necessitar de sangue em caráter emergencial, mas o sistema que processa a hemoglobina necessária à vida entrou em colapso. É assim, comparativamente, que assistimos ao encadear de uma nova onda de evasão de recursos vitais pelo hábil e insidioso caminho da corrupção na estrutura do Estado.
A malha de desvios que, segundo as denúncias, envolve assessores do Ministério da Saúde e parece se espraiar por estados e prefeituras, conforme apontam os sucessivos desdobramentos da Operação Vampiro, sugere claramente o esgotamento de um modelo: o de gestão das compras, cuja finalidade, até onde alcança nosso vão idealismo, seria dotar as instituições públicas de saúde de condições adequadas para assistir a população. Nem me refiro à assistência desejada em um cenário de infra-estrutura e remuneração dos prestadores de serviços compatíveis com os custos do atendimento necessário ao enfrentamento das doenças, mas à observação dos preceitos administrativos de ética e lisura no gerenciamento do dinheiro público.
Enquanto prossegue a devassa policial, a discussão concentra-se na identificação de lobistas, funcionários “malucos” envolvidos no propinato e outros não tão malucos, que chefiavam esquemas de fazer corar mafiosos que primaram, no passado, por alguma norma de conduta. Sabemos, hoje, que a estrutura de compras está inteiramente contaminada, imune a qualquer intervenção que apenas afaste uma ou várias dúzias de lobistas e fraudadores ou que confisque bens espúrios comprados com o dinheiro da saúde. O modelo está definitivamente esgotado. É preciso ter a coragem e a determinação política para enterrá-lo e sem as honras de Estado.
A universidade pública em nosso País responde por uma cota superlativa de 90% da produção científica. Nesse universo, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) seguramente é responsável por grande parte da produção científica na área da saúde do País e isso foi conquistado às custas de financiamento do Estado. Financiamento com entrada, registro e destinação clara, embora muito freqüentemente insuficiente para fazer face à enorme demanda.
Temos orgulho dessa liderança. Universidade significa soberania, crescimento auto-sustentado e maior poder de intervenção em uma realidade desfavorável, assim como desenvolvimento de tecnologia e produção de conhecimento. Os países desenvolvidos têm uma grande infra-estrutura universitária porque produzem sua própria tecnologia. E extraem desse conhecimento as bases da inserção no cenário dinâmico, competitivo e irreversível da economia globalizada.
Potencializar os recursos de que dispomos e, coerentemente, inserir a universidade na era digital, representa, entre outras opções, adotar uma tecnologia mais moderna para gerir compras de insumos, o que tem se revelado, já em seu segundo ano de vigência na Unifesp, um eficiente antídoto anticorrupção.
O processo eletrônico de compras de medicamentos e materiais médicos pela internet foi uma decisão motivada pela busca de total transparência na gestão das compras. Transparência facilmente auditável, permitindo o controle das operações por período mínimo determinado. Hoje temos convicção do acerto de nossa decisão. No primeiro ano, obtivemos economia da ordem de 20%, graças, em grande parte, ao golpe certeiro na impulsividade e no “vampirismo”, que poderiam roubar-nos sangue vital dos recursos disponíveis para atender pacientes e formar médicos que serão representantes da excelência na prática clínica e hospitalar.
O antídoto existe e é preciso lançar mão dele em escala nacional para tirar definitivamente o paciente da UTI. A saúde (e o bolso) dos brasileiros agradece.
Ulysses Fagundes Neto
é reitor da Universidade Federal de São Paulo.