Anotações na CTPS e Dano Moral

1. Introdução

Pode acontecer, na realidade do vínculo empregatício, que o empregador quanto à CTPS do obreiro: (a) não faça as anotações obrigatórias, (b) registre informações desabonadoras, ou (c) a extravie.

Em quaisquer das hipóteses acima será possível indagar da possibilidade de fixar indenização por dano moral.

Praticamente não havia dissenso na doutrina quanto à proibição de anotações desabonadoras à conduta do empregado porque “trariam ao seu titular sérios transtornos para distinguir as inscrições justas e objetivas das subjetivas ou mesmo das falsas” (CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 91).

Agora, além dessa noção proibitiva, há texto legal, recente, que acrescentou os parágrafos 4.º e 5.º ao art. 29 da CLT (Lei n.º 10.270, de 29.08.01 – DOU 30.08.01), dizendo que:

“Parágrafo 4.º – É vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social.

Parágrafo 5.º – O descumprimento do disposto no parágrafo 4.º deste artigo submeterá o empregador ao pagamento de multa prevista no art. 52 deste Capítulo”.

2. Requisitos para deferimento de indenização

Para se deferir a indenização há necessidade de comprovar-se: (a) o ato culposo do empregador ou seus prepostos, bem como (b) a violação de bens incorpóreos da personalidade, atingindo diretamente a vida privada, a honra e a própria imagem do trabalhador (art. 5.º, X, da CF/88), de tal modo que (c) lhe cause constrangimento e reprovação social.

De fato, não teria sentido lógico nenhum a lei estabelecer a obrigatoriedade do registro das anotações e da devolução da CTPS, bem como proibir assinalações desabonadoras, sem que fosse possível, depois, aquilatados eventuais danos causados ao trabalhador, por descumprimento de norma cogente pelo empregador, impor-se indenização reparatória.

Aplica-se, aqui, subsidiariamente, o art. 159 do Código Civil, que diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

É evidente que se deve verificar o conteúdo das anotações realizadas na CTPS pela empresa. Há pouco tempo, discutiu-se, perante o E. TRT da 13.ª Região, se era devida, ou não, uma indenização por danos materiais e morais ao trabalhador em face de declaração escrita pela empresa na CTPS informando que a anotação do contrato de trabalho decorreu de acordo judicial realizado perante a Justiça do Trabalho. A decisão foi assim:

“DANOS MORAIS. ATO PREJUDICIAL AO OBREIRO. DESCARACTERIZAÇÃO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Referindo-se a anotação feita pela reclamada, na CTPS do autor, apenas à consignação de um ato jurídico firmado, não há como se imputar à demandada a prática de fato causador de dano moral de material, pelo que improcede o pagamento de qualquer indenização por esse motivo. Recurso não provido” (RO n.º 375/00, Ac. 13.ª R. n.º 58.986, julgado em 12-04-00, DO de 30.08.00).

Perante o TRT da 4.ª Região o assunto em pauta versava sobre rasuras na CTPS, onde, igualmente, a indenização foi indeferida:

“DANO MORAL. RASURAS NA CTPS. A anulação de registros efetuados na CTPS do reclamante não serve de amparo à pretensão quanto ao pagamento de indenização por dano moral. Insólita a alegação no sentido de que simples rasuras administrativas abalassem emocionalmente o autor ou implicassem prejuízo à sua vida profissional” (TRT-RS-RO-188561/97-8 – AC – 2.ª T., julgado em 02.12.98. Revista Genesis, Curitiba, mar/99. p. 418-419).

Já o E. TRT da 9.ª Região, em análise de demanda onde se verificou anotação desabonadora na CTPS, entendeu diferente:

“DANOS MORAIS. ANOTAÇÕES DESABONADORAS NA CTPS. A CTPS é um documento expedido por órgão oficial destinado, especificamente, à anotação de dados acerca do contrato de trabalho (art. 29 e sgs., da CLT). A atitude tomada pelo empregador, no sentido de anotar na CTPS que o contrato estava sendo rescindido em razão de faltas injustificadas da empregada`, representaram um ato ilícito, posto que vedadas as anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua CTPS. Essa atitude gerou manifesto prejuízo, na medida em que a carteira de trabalho é um retrato profissional` do trabalhador, além de uma forma de identificação do cidadão. Assim, quaisquer anotações indevidas tornam-se públicas, prejudicando a imagem do trabalhador, nascendo, daí, o direito do empregado à reparação pelos danos morais e patrimoniais sofridos” (TRT-PR-RO 8379/97 – AC. 1.ª T., julgado em 16.12.97. Revista Genesis, Curitiba, jan/98. p. 124-130).

3. Parâmetros para fixação do quantum devido a título de indenização

Naturalmente, o parâmetro para fixar a indenização deve ser aquele de levar em conta o patrimônio do responsável pela ofensa, a gravidade da ofensa e os prejuízos de ordem moral causados ao trabalhador.

Ressalve-se aqui a mais absoluta impossibilidade de fixação em salários mínimos, ante a proibitiva norma constitucional do art. 7.º, inciso IV, – “sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Nesse sentido a jurisprudência da Excelsa Corte: 1) RE-217.700-4 – 1.ª Turma – Ministro Moreira Alves – DJ de 17-12-99. Vide Revista SDI – Jurisprudência Uniformizadora do TST – n.º 55 – Junho/01. Curitiba: Decisório Trabalhista, 2001.p. 31; 2) RE-235.302-7 – 2.ª T. DJ de 11-12-98; 3) ADIn n.º 1.425-1/PE, Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio; 4) RE-198-982, Rel. Min. Ilmar Galvão (Ob. e p. cit.).

E, ainda, mais recentemente, assim também decidiu o Colendo TST, através da SDI I, no E-RR-305.052/96.2, julgado em 05-03-01, publicado no DJU de 20-04-01, p. 394, in SDI – Jurisprudência Uniformizadora do TST – n.º 55 – junho/01. Curitiba: Decisório Trabalhista, 2001. p. 28-34.

Esse tema foi amplamente desenvolvido em estudo a propósito da desvinculação do salário mínimo como fator de atualização, tratando do piso salarial, adicional de insalubridade, dano moral, salário profissional, valor de alçada, multa convencional, honorários advocatícios e controle da constitucionalidade (GUNTHER, Luiz Eduardo e ALCURE NETO, Nacif. Desvinculação do salário mínimo como fator de atualização. Revista TRT 9.ª R. Curitiba v. 25 n.º 2 – jul/dez 2000. p. 29-40).

4. Conclusão

Anotações desabonadoras na CTPS são todas aquelas que possam impedir o acesso do trabalhador a novos serviços, gerando, como conseqüência: (a) a possibilidade do juiz do trabalho determinar a seu cancelamento; (b) quando vigente o vínculo, dar causa à rescisão indireta, com fundamento no art. 483, letra “d”, da CLT; e (c) constatada a violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, decorrentes dessa anotações, indenização por dano moral (CF/88, art. 5.º, X), em valor a ser arbitrado, tendo em vista a condição de quem paga e a extensão da ofensa.

Além da hipótese de registros desabonadores, se a empresa também não faz as anotações obrigatórias ou extravie o documento de identificação profissional, é possível seja fixada indenização por dano moral pela Justiça do Trabalho desde que comprovados o ato culposo do empregador ou de seus prepostos, bem como a violação de bens incorpóreos da personalidade, atingindo diretamente a vida privada, a honra e a própria imagem do trabalhador, de tal modo que lhe cause constrangimento e reprovação social, aplicando-se, subsidiariamente, o artigo 159 do Código Civil, em valor a ser arbitrado, sem qualquer vinculação ao salário mínimo.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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