A Anistia Internacional está protestando contra a impronúncia, pelo Ministério Público do Pará, do fazendeiro José Décio Barroso Nunes, o Delsão, acusado de ter mandado matar, em novembro de 2000, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, o Dezinho. Em carta enviada no final de semana ao procurador-geral de Justiça do MP, Francisco Barbosa, ela cobra explicações sobre os motivos que levaram a promotora do caso, Lucinery Rezende Ferreira, a pedir a exclusão do fazendeiro do processo, dizendo que contra ele haveria "extensa evidência, incluindo testemunhos" para levá-lo a julgamento.

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O crime ganhou repercussão internacional. O sindicalista vinha sofrendo constantes ameaças de morte por liderar as invasões de terra em Rondon, município dominado por poucos fazendeiros que controlam mais de 80% das terras na região. O pistoleiro que matou Dezinho, Helinton de Jesus Silva, foi condenado a 29 anos de prisão em novembro passado.

Uma cópia da carta entregue a Oliveira foi enviada também ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Milton Nobre, ao secretário especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Paulo Vanucci, e ao embaixador do Brasil em Londres, José Bustani. É a justiça paraense quem decidirá se aceita ou não o pedido de impronúncia de Delsão. A promotora fundamentou o pedido de inocência do fazendeiro na versão apresentada por três testemunhas ligadas ao próprio acusado, sendo a primeira delas seu sogro, a segunda seu cunhado e a terceira um tio da mulher dele.

Lucinery Ferreira também desferiu pesadas críticas à Comissão Pastoral da Terra (CPT), acusando-a de ser uma organização política. A acusação ao fazendeiro, segundo ela, seria motivo "para alguns apaixonados por suas respectivas causas expor suas ideologias políticas como pano de fundo". Delsão é ainda acusado de participação em vários outros homicídios em Rondon. Três inquéritos que apuravam sua participação nesses crimes desapareceram misteriosamente do fórum de Rondon.

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A viúva da vítima, Maria Joel da Costa, que luta para que o acusado como mandante seja julgado, assumiu o lugar do marido na presidência do sindicato, mas também está sofrendo ameaças de morte. Conhecida por Joelma, ela recebeu há dez dias a medalha de Direitos Humanos 2006 do Ministério da Justiça. O prêmio foi entregue pessoalmente pelo presidente Lula.

Assinada pela vice-diretora do Programa das Américas da Anistia Internacional, Guadalupe Marengo, a carta afirma que a entidade tem acompanhado com muita atenção a longa história de violência e abusos de direitos humanos ligados à luta pelo direito à terra que ocorre no Pará, "Temos nos pronunciado contra a lentidão da justiça e a impunidade que tem sustentado as contínuas mortes violentas no Estado. Apesar de acompanharmos a situação no Pará já há um certo tempo e de mantermos um diálogo aberto com integrantes do governo federal e estadual, nunca tivemos a oportunidade de trazer diretamente a vossa excelência as nossas preocupações", acrescenta o documento endereçado a Francisco Barbosa.

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Segundo a Anistia, ela reconhece os "notáveis julgamentos" que nestes últimos dois anos têm marcado importantes vitórias contra a longa tradição de impunidade e o papel importante tanto de entidades como a CPT como também do Ministério Público e da Justiça nessas sentenças. E cita condenações nos casos da morte da missionária Dorothy Stang, da chacina da fazenda Ubá e da morte do sindicalista João Canuto. "Mesmo que possam ter demorado anos em alguns casos, enviam o importante sinal de que ninguém está acima da lei", resume a entidade, que cobra do MP uma postura no caso de Dezinho para demonstrar que está "empenhada na luta contra a impunidade".