Animais em espetáculos públicos: ilegalidade e marketing negativo

g121.jpgÉ comum vermos empresas importantes no cenário econômico nacional patrocinando espetáculos públicos que utilizam animais como principais atrações, vinculando, assim, sua imagem a estes eventos, isto talvez por desconhecimento dos maus-tratos a que os animais são submetidos e, inclusive, as conseqüências negativas que tais participações podem trazer à sua imagem, em vista da crescente conscientização ambiental.

Pois bem, desde há muito tempo, tem-se utilizado animais em vários tipos de diversão ou espetáculos públicos, como, por exemplo: rodeios, vaquejadas, rinhas, circos, farra do boi, o que tem dado a impressão de que são atividades apenas recreativas, sem causar prejuízo aos seus principais ?atores?, os animais. Ledo engano, pois em todas elas os animais são tratados de forma cruel e indigna, sem contar que, estas atividades são ilegais à luz do Direito atual, como demonstraremos.

Nos rodeios, por exemplo, os bovídeos, eqüinos e caprinos são submetidos à utilização de diversos apetrechos (sedéns, esporas, peiteiras com polacos etc.) e atitudes para provocá-los, o que os submetem a verdadeiros maus-tratos.

O sedém, por exemplo, é uma cinta de couro, de crina e pêlo, amarrada na virilha do animal, fazendo-o corcovear, sendo ainda mais comprimido antes da entrada na arena, quando ainda está no brete. Isto é considerado ato extremamente cruel, já que comprime a região dos vazios dos animais, onde existem muitos órgãos e o prepúcio, além do grande sofrimento psicológico, como se pode ver em diversos laudos e pareceres técnicos, usados em vários processos judiciais, dentre eles os bem conhecidos de autoria da Dra. Júlia Matera e da Dra. Irvênia Prada, ambas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

Quanto as esporas, em vista da competição, são utilizadas excessivamente, com o intuito de golpear e irritar o animal, deixando inclusive cicatrizes em quase todos os casos. As peiteiras com polacos, que são cordas ou faixas amarradas e retesadas ao redor do corpo do animal com sinos, provocam forte pressão e ferimentos. Isto tudo não é maus-tratos?

Já nos circos com animais, além da retirada de seu habitat natural o que impõe estresse ao animal, são eles submetidos a treinamentos desgastantes e são obrigados a viver em espaços minúsculos e itinerantes, submetendo-os a variações climáticas, falta de alimentação e tratamentos adequados, mutilações, entre outros, o que caracteriza flagrantes maus-tratos.

Também as rinhas, qualquer delas, de cães, galos, canários e outras, caracterizam maus-tratos, pois colocar propositadamente dois animais para brigar, está se expondo sua integridade física desnecessariamente. Além disso, os contendores são submetidos a várias drogas para que se fortaleçam e possam agüentar as ?batalhas? que são obrigados a vencer, bem como são equipados com apetrechos para ferir o ?oponente?. Isto também não é maus-tratos?

Como se pode perceber acima, tais atividades submetem os animais a maus-tratos, de maneira que são elas ilegais e inconstitucionais, já que ferem o trazido no bojo do artigo 3.º do Decreto-Lei 24.645/34, bem como o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), sem contar que o artigo 225 da Constituição Federal, em seu parágrafo 1.º, inciso XII, veda qualquer prática que exponha o animal à crueldade.

Também são inconstitucionais quaisquer outras leis ou normas administrativas que permitam atos de maus-tratos, não escapando nem eventuais tentativas de minimizar maus-tratos, como por exemplo a lei 10.519/02, que tenta regularizar a utilização de animais em rodeios. Afinal, nossa norma constitucional não define graus de maus-tratos.

Em nenhum destes casos poderá prevalecer eventuais alegações de que são atividades culturais, pois modernamente, ante a própria evolução cultural dos povos, não se pode mais admitir maus-tratos a outros seres, mesmo porque a evolução científica comprova que todos os seres têm sentimentos e sensações físicas, aliás, na sua maioria extremamente parecidas com as dos seres humanos.

Também não poderá prevalecer eventual argumento de que tais atividades são geradoras de empregos e de receitas, pois segundo bem salienta o Promotor de Justiça, Dr. Laerte Fernando Levai, ?não se pode aceitar a tortura institucionalizada de animais com base na supremacia do poder econômico, nos costumes desvirtuados ou no argumento falacioso que a sua prática se justifica em prol do divertimento público, sob pena de se adotar a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios? (in parecer sobre os rodeios, boletim do IBCCRIM, fev./2000). Além disso, a sociedade não pode aprovar atos ilegais pelo fator econômico, sob pena de se ter que aceitar como normais o tráfico de animais e de drogas.

Portanto, atividades que utilizam animais em espetáculos públicos, como por exemplo em rodeios, circos, rinhas, vaquejadas acabam infligindo maus-tratos a eles, e dessa forma são atividades inconstitucionais e ilegais e devem ser proibidas pelo Poder Público, com a ajuda da sociedade consciente, inclusive por meios judiciais, caso administrativamente nada seja feito.

Também é de suma importância a participação das indústrias neste processo de conscientização, o que pode ser feito disseminando educação ambiental e associando sua imagem a atividades legais (em todos os sentidos), como, por exemplo, a programas conservacionistas e preservacionistas da fauna, e evitando associar sua imagem a eventos considerados cruéis aos animais, como os supra-citados.

Assim procedendo, a indústria consciente de seu papel na sociedade estará colaborando para o tão galgado ambiente sadio e equilibrado, e ao mesmo tempo não correrá o perigo de fazer marketing negativo, podendo ser lembrada como uma empresa de responsabilidade sócio-ambiental, colaborando assim também com as presentes e futuras gerações.

Antônio Silveira R. dos Santos é advogado. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé. www.aultimaarcadenoe.com

 Renata de Freitas Martins é advogada. 

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