Andando de muletas

Quando o Brasil pagou adiantadamente sua dívida com o Fundo Monetário Internacional que venceria só no ano que vem, o presidente Lula disse que estávamos conseguindo a independência financeira necessária para andarmos com as próprias pernas. No mundo, há países, empresas e pessoas físicas que caminham pelas próprias pernas, ou seja, ganham dinheiro suficiente para viver, se movimentar e até crescer. Mas são poucos. A grande maioria depende de poupanças dos outros e as tomam emprestadas, pagando juros, para poderem mover-se. Há até países auto-suficientes que têm empresas e pessoas dependentes e vice-versa.

A grosso modo, todos dependem de todos e não há um número considerável de entidades que andam pelas próprias pernas, pois existem circunstâncias em que um tomador de empréstimos no sistema financeiro nacional ou internacional não faliria se continuasse andando sozinho. Mas aportes de recursos de terceiros, através do sistema financeiro, dadas as circunstâncias, seu custo e os projetos de desenvolvimento, podem ser interessantes para economias sadias. Assim, a idéia de andar pelas próprias pernas não pode significar o que se procurou dar a entender à nação. Não significa que não precisamos mais dos recursos do FMI, de outras instituições ou investidores, sejam multinacionais, estrangeiros ou nacionais.

Logo depois do eufórico anúncio de que iríamos doravante caminhar pelas próprias pernas, o Tesouro brasileiro captou 300 milhões de euros no mercado externo. Com essa operação, cumpriu mais da metade do seu plano para 2006 e 2007. A taxa de retorno para quem nos emprestou esse dinheiro será de 5,448% ao ano, que, em termos internacionais, é bem alta.

O nosso país tem conseguido captar dinheiro aqui dentro e lá fora, adornado com uma qualificação de risco que, embora não seja das menores entre os países em desenvolvimento, ainda assim é sensível e significativamente descendente. Por que conseguimos captar tanto dinheiro se temos um escândalo político que parece nunca acabar, os estamentos da nossa economia, mesmo que bons, estão longe de ótimos e estamos sujeitos ainda a crises internas ou externas? O motivo é muito simples. O Brasil é um dos países que aceita pagar os juros mais altos praticados no mercado mundial para quem nos empresta dinheiro. Internamente, há uma conseqüência cruel. Os tomadores, dentro do Brasil mesmo, pagam juros altíssimos nos empréstimos pessoais, nos descontos de títulos de crédito pelas empresas, no cheque especial e daí por diante. E, ainda, nas compras a prazo.

Aquela história de caminhar pelas próprias pernas é uma ambição, senão um sonho, longe de ser uma realidade. Caminhamos e continuamos caminhando com muletas emprestadas pelos outros enquanto não fizermos crescer e acumular-se vigorosamente nossas próprias poupanças. Precisamos do dinheiro alheio. Tanto que, através de medida provisória, o governo federal acaba de isentar os investidores estrangeiros do pagamento do Imposto de Renda e da CPMF sobre aplicações em títulos públicos no mercado nacional. Benefícios que não dá nem aos brasileiros. Mas tem de dar aos estrangeiros, senão, além de não caminharmos pelas próprias pernas, ainda nos moveremos manquitolando.

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