O jornalista e analista político Antônio Augusto Queiroz, 43 anos, trabalha no Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), em Brasília, há 20 anos, foi entrevistado pelo jornalista Antônio Menegatti Neto, para o jornal da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Paraná. Reproduzimos a entrevista, face a importância dos comentários do integrante do DIAP, abordando aspectos da reforma sindical e trabalhista pretendida pelo Ministério do Trabalho e outros temas da atualidade sindical.
– Em que pé estão as discussões sobre as reformas sindical e trabalhista no Brasil?
– As reformas trabalhista e sindical estão sendo ainda formatadas no seu conteúdo, transformadas em projetos de lei e emendas à Constituição. O que se tem conhecimento até agora são enunciados que não detalham com a profundidade desejável que um projeto de lei e uma emenda constitucional exigem para que se possa emitir um juízo de valor mais preciso a respeito disso. De qualquer maneira, mesmo os enunciados já tem criado nas entidades sindicais uma expectativa muito grande, e em alguns setores negativa, no sentido de que essa estrutura proposta pode trazer a centralização do movimento sob o comando de poucas organizações de cúpula. A principal crítica que as entidades que se sentem excluídas fazem é essa, de que as entidades de base poderiam, eventualmente, perder importância e centralizar todo o processo decisório nas cúpulas sindicais.
– Existe a possibilidade da unicidade acabar só para os sindicatos de trabalhadores?
– O texto proveniente do fórum, da forma como está escrito, não diz claramente se haverá uma mesma organização para trabalhadores e empregadores. Deixa implícito que os empregadores possam ter uma organização diferenciada, ou seja, eles podem manter a estrutura atual de unicidade e estabelecer para as entidades trabalhadoras um outro modelo de organização. Há essa possibilidade no texto.
– Pelos enunciados conhecidos, a situação é preocupante para o sistema sindical?
– O Diap, como órgão que presta assessoria ao movimento sindical, tem filiados das mais variadas correntes, que defendem a organização ou que são contra. Esse é um juízo de valor que o Diap não pode fazer. O que se pode dizer é que há, de parte de um setor do movimento sindical, certo desconforto em relação à proposta porque eles não foram ouvidos em relação à sua formulação e consideram que a parte que eles foram ouvidos não foram consideradas, que foram as conferências estaduais do trabalho. Entendem que, como foi uma ambiente de concertação o Fórum Nacional do Trabalho, que buscava basicamente chegar a pontos de convergência, o momento adequado do debate e da disputa vai ser no Congresso Nacional, onde todos terão a oportunidade de externar aos parlamentares os seus pontos de vista a respeito de cada um dos aspectos abordados.
– O senhor acha que as bases sindicais terão força para debater no Congresso em igualdade com as cúpulas sindicais?
– O Parlamento é um dos poderes que representa a população, de um modo geral. É o poder mais aberto, mais acessível, que permite uma maior participação. Se as entidades quiserem, e efetivamente se mobilizarem, vão ser ouvidas e elas têm acesso a cada um dos parlamentares. É importante dizer que se trata de emenda constitucional e quem dá a palavra final é o Congresso Nacional, não tem veto nem sanção presidencial. São os parlamentares que votam conclusivamente. Todas as lideranças sindicais têm acesso e a possibilidade de conversar com os parlamentares, se não todos, pelo menos os de seus estados.
– O Diap assessora sindicatos de todas as correntes. Mas qual é o seu sentimento pessoal sobre a questão da unicidade sindical? Há mais entidades contra ou a favor?
– O Diap faz um trabalho basicamente de chamar a atenção para os riscos que eventualmente um texto possa trazer para a organização e os próprios direitos dos trabalhadores. Esse alerta tanto vale para quem defende um ponto de vista ou outro. Cada um usa na conveniência que desejar. Agora, naqueles temas em que há consenso em relação aos interesses dos trabalhadores, o Diap atua de forma ostensiva e firme. Por exemplo, é consenso do movimento sindical que não deve haver desregulamentação. Em relação à tendência preponderante, as conferências estaduais, ao que consta, majoritariamente optaram pelo modelo atual com alguns aperfeiçoamentos. Entre eles, consta uma maior representatividade para as entidades e o reconhecimento das centrais, mas não no formato pelo FNT, que, em certa medida, substitui o modelo atual por um novo.
– Na sua opinião, qual seria o modelo mais adequado para o Brasil?
– Eu acho que esse debate unicidade versus pluralidade é um falso debate. O que se deve discutir é a representatividade. Existem dois modelos em relação a isso: um é o da unicidade, que já assegura por lei a representatividade, determinando que apenas um sindicato de determinada categoria profissional, em determinada base territorial, detenha a prerrogativa de representar e negociar em nome dos trabalhadores. Portanto a unicidade já resolve isso na lei; e o outro, que é o sistema de liberdade, em que os trabalhadores podem criar tantos sindicatos quanto desejarem, mas apenas um entre os vários existentes é que vai representar e assinar acordos em nome da categoria. No caso, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) recomenda uma série de critérios para aferição dessa representatividade. A sindicalização é apenas um dos itens. Considera a combatividade dos dirigentes, o jornalzinho do sindicato, como é o relacionamento com o patrão, se houve ou não colaboração de classes, entre outros. Existem apenas esses dois modelos. O que está em jogo é a representatividade.
– Falando em representatividade, o seminário da Fetropar reuniu as categorias diferenciadas. Pelas propostas em discussão, essas categorias acabariam após as reformas?
– As categorias diferenciadas existem atualmente, a Constituição de 1988 não proibiu, mas a legislação pode mudar se o governo desejar, infraconstitucional, não precisa nem mexer na Constituição, para dizer que prevalece o sindicato preponderante. Agora, o que está em debate é que se tem uma tradição no país em representação de categorias diferenciadas, os tribunais reconheceram, e eliminar esse sistema sem sequer ouvir os segmentos envolvidos é que considerado pelas categorias diferenciadas uma violência. Não creio que o alvo do governo especial seja sobre as diferenciadas. Ele quer mudar o modelo no seu conjunto porque se fosse só mudar as diferenciadas, baixava uma medida provisória e pronto. Agora, existem categorias diferenciadas que são efetivamente representativas, que têm ganhos melhores para as categorias do que as entidades preponderantes. É preciso analisar situação por situação.
– O que o senhor pensa que o trabalhador brasileiro precisa saber para entender as questões da reforma sindical?
– Existem vários estudos, análises, em páginas da Internet, como por exemplo o site www.emdefesadotrabalhador.com.br, o site do Diap (www.diap.orb.br), das próprias centrais e do Ministério do Trabalho, que traz tanto o texto da proposta oficial quanto análises e reflexões a respeito desse texto. Então, é conhecer, ler esses textos, esperar a formulação da proposta em forma de emenda constitucional para saber quais dos enunciados foram contemplados e de que forma, para poder se pronunciar tendo clareza absoluta do que o governo pretende. Essa é uma sugestão que vale também para todos os sindicalistas.
– Como jornalista, como o senhor analisa o trabalho de divulgação, via assessoria de imprensa, dos sindicatos e federações?
– É fundamental. A imprensa sindical brasileira representa hoje um terço da grande imprensa nacional. Entre boletins, panfletos, jornais, se produz no Brasil algo como 12 milhões de exemplares mensais. É uma imprensa extremamente expressiva, direcionada, que tem alto índice de leitura e de repasse, e que tem um papel importante na formação dos trabalhadores brasileiros no esclarecimento sobre os seus direitos. É um instrumento de cidadania da maior importância e a entidade sindical que não cultiva, não tem um veículo próprio, não tem como se comunicar adequadamente com sua base. É uma ferramenta fundamental de contato, de conscientização e mobilização dos trabalhadores.