Análise inicial do Projeto de Lei do Conselho Federal de Jornalismo (I)

A Presidência da República encaminhou mensagem ao Congresso Nacional de projeto de lei que “cria o Conselho Federal de Jornalismo e os Conselhos Regionais de Jornalismo, e dá outras providências”, por solicitação da Federação Nacional dos Jornalistas, decorrente de decisões adotadas em congressos nacionais da categoria profissional. Dada a revelância da matéria e face o debate que vem ocorrendo em todo o país, são oportunas algumas observações iniciais sobre a proposta. Transcrevemos cada artigo da proposta, eis que há necessidade do prévio conhecimento do texto para que se produza o debate calcado no que é proposto e não apenas por opiniões destituídas de fundamento concreto. Seguem breves comentários, inclusive comparativamente baseados no que dispõe a Lei n.º 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

01.Conselho como autarquia – “Art. 1.º – Ficam criados o Conselho Federal de Jornalismo – CFJ e os Conselhos Regionais de Jornalismo – CRJ, autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. § 1.º O CFJ e o CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo. § 2.º O CFJ terá sede e foro em Brasília e jurisdição em todo o território nacional. § 3.º Cada CRJ terá sede e foro na capital do Estado ou de um dos Estados de sua jurisdição, a critério do CFJ”.

O modelo segue a legislação dos demais conselhos federais das profissões regulamentadas ao fixar a personalidade jurídica de direito público como autarquias. A exceção está localizada na Ordem dos Advogados do Brasil e suas seccionais, por força da Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994. Naquele diploma legal está fixado, no art. 44, que “A Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa…”, e em seu parag. 1.º está disposto que “A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico”. Este distanciamento da OAB face o Poder Público é excepcional, mas deve ser estudado quando da tramitação legislativa, tratando-se de matéria de indagação jurídica e constitucional.

02. Competência do CFJ – “Art. 2.º Compete ao Conselho Federal: I – zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista; II – representar em juízo, ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais relativos às prerrogativas da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos Sindicatos representativos da categoria; III – editar e alterar o seu Regimento, o Código de Ética e Disciplina, resoluções e provimentos; IV – estabelecer as normas e procedimentos do processo disciplinar; V – supervisionar a fiscalização do exercício profissional em todo o território nacional; VI – colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos de jornalismo e comunicação social com habilitação em jornalismo; VII – autorizar, pela maioria absoluta dos seus membros, a oneração de bens imóveis; VIII – promover diligências, inquéritos ou verificações sobre o funcionamento dos CRJ em todo o território nacional e adotar medidas para a melhoria de sua gestão; IX.- intervir nos CRJ em que se constate violação a esta Lei ou às suas resoluções, nomeando composição provisória para o prazo que se fixar; X – cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer ato de órgão ou autoridade do CFJ contrário a esta Lei, ao Regimento, ao Código de Ética e Disciplina ou às resoluções e provimentos, ouvida a autoridade ou órgão em causa; XI – reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos CRJ nos casos previstos no Regimento; XII – definir e instituir os símbolos privativos dos jornalistas; XIII – resolver os casos omissos nesta Lei e nas demais normas pertinentes ao CFJ, assim como aqueles relativos ao exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo; XIV – fixar e cobrar de seus inscritos as anuidades e os preços por serviços; XV-fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação; XVI – definir as condições para inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como para revisão dos registros existentes; e XVII – estabelecer as condições para a criação e funcionamento das seções dos CRJ. Parágrafo único A intervenção de que trata o inciso IX deste artigo depende de prévia aprovação de dois terços dos membros do CFJ, garantido ao CRJ o amplo direito de defesa”.

Destacam-se pontos essenciais como o de “definir as condições para inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como para revisão dos registros existentes”, hoje atribuição do Ministério do Trabalho, possibilitando que o controle do exercício profissional – como nas demais profissões – esteja no âmbito do Conselho, impedindo que o poder público interfira neste ponto vital para a categoria profissional. Sobressai, ainda, o inciso que enfatiza da competência de “zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista, assim como representar em juízo, ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais relativos às prerrogativas da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos Sindicatos representativos da categoria”, pontos centrais para a existência de um conselho normativo. A questão das prerrogativas dos jornalistas – assim como a dos advogados – é questão central para o pleno e livre exercício profissional e onde a intervenção do CFJ e dos CRJs será essencial.

03. Competência dos CRJs – “Art. 3.º Compete aos Conselhos Regionais: I – editar seu Regimento e resoluções; II – criar e regulamentar o funcionamento das suas seções, nas condições estabelecidas pelo CFJ; III – reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos respectivos presidentes; IV – exercer a fiscalização do exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo; V – fiscalizar a aplicação da receita, deliberar sobre o seu balanço e as suas contas, bem como sobre os das suas seções; VI – fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas jurisdições; VII – deliberar sobre os pedidos de inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como de revisão dos registros existentes; VIII – manter cadastro atualizado de jornalistas inscritos; e X – emitir a carteira de jornalista, válida como prova de identidade para todos os fins legais em todo o território nacional, onde serão efetuadas anotações relativas às atividades do portador.

Parágrafo único. Os CRJ exercerão supletivamente, nas respectivas jurisdições, as competências e funções atribuídas ao CFJ nesta Lei, nas resoluções e nos provimentos”.

O ponto-chave do artigo está na competência dos CRJs em “exercer a fiscalização do exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo”, hoje atribuição da fiscalização do Ministério do Trabalho, uma vez que as entidades sindicais apenas podem denunciar o exercício irregular da profissão ou a atividade exercida sem o devido registro em carteira de trabalho, uma das fraudes mais comuns nas relações de trabalho. Sendo profissão diferenciada, essa fiscalização se estende a todas as empresas, jornalísticas ou não, que tenham seções de imprensa ou órgãos informativos. Também é substancial nesta competência a de “deliberar sobre os pedidos de inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como de revisão dos registros existentes, manter cadastro atualizado de jornalistas inscritos e emitir a carteira de jornalista, válida como prova de identidade para todos os fins legais em todo o território nacional, onde serão efetuadas anotações relativas às atividades do portador”. Enquanto o CFJ define as condições para a inscrição de jornalistas, os CRJs deliberam sobre as inscrições e emitem a carteira de jornalista.

04. Obrigatoriedade de inscrição no CRJ – “Art. 4.º Todo jornalista, para exercício da profissão, deverá inscrever-se no CRJ da região de seu domicílio, atendendo às condições estabelecidas pela legislação”.

Assim como nas demais profissões regulamentadas há necessidade da inscrição nos Conselhos específicos, o projeto de lei determina a obrigatoriedade de inscrição no CRJ do domicílio do jornalista para que possa exercer a profissão. Este artigo está conjugado com o artigo 3º do projeto de lei que especifica a competência dos CRJs para controlar a inscrição dos jornalistas.

05. Código de Ética e Disciplina – “Art. 5.º No exercício da profissão, o jornalista deve pautar sua conduta pelos parâmetros definidos no Código de Ética e Disciplina, mantendo independência em qualquer circunstância. Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina deverá regular também os deveres do jornalista para com a comunidade, a sua relação com os demais profissionais, o dever geral de urbanidade e, ainda, os respectivos procedimentos disciplinares, observado o disposto nesta Lei”.

O Código de Ética e Disciplina será aprovado pelo CFJ, como está definido no art. 2.º “editar e alterar o seu Regimento, o Código de Ética e Disciplina, resoluções e provimentos e estabelecer as normas e procedimentos do processo disciplinar”. O jornalista terá como parâmetro para o exercício profissional o Código de Ética e Disciplina, assim como os “deveres do jornalista para com a comunidade, a sua relação com os demais profissionais, o dever geral de urbanidade e, ainda, os respectivos procedimentos disciplinares”. Na Lei da Advocacia e da OAB o dispositivo é o mesmo, competência atribuída ao Conselho Federal da OAB, mantendo as Seccionais os Tribunais de Ética e Disciplina, organismos fundamentais para o controle do exercício profissional.

Edésio Passos

é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, integrante do IAB, ABRAT e do corpo técnico do DIAP, membro da Comissão Nacional de Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego e ex-deputado federal (PT/PR).e.mail:edesiopassos@terra.com.br

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