A pauta jurídica do novo Direito do Trabalho aponta para tutelas necessárias diante de novas situações geradas com a desconstituição das relações de trabalho. Novas regras se inserem no sistema tradicional, especialmente porque o processo de transformação na superestrutura jurídica é lento e, no campo das relações de trabalho, interferem vários fatores, em especial os de natureza política e econômica. No atual momento de transição de governo, devem ser fixados os pontos onde essas mudanças são mais rápidas e quando atingem setores essenciais na vida em sociedade. Portanto, a substituição do velho Direito do Trabalho pelo novo Direito do Trabalho será implementada pela visão crítica face a desagregação da norma tutelar tradicional, e/ou a imposição verticalista estatal-patronal, acelerada pelo neoliberalismo, mas, e sobretudo, pela construção de novas bases jurídicas que sustentem as novas realidades sócio-econômicas.
No limite da desconstituição:
Escrevemos, recentemente, que “o núcleo central do contrato de emprego foi atingido duramente pelo desemprego, disseminadas as formas atípicas de trabalho informal. Formou-se na década dos noventa um forte núcleo de proteção ao sistema público de contratação – o sistema jurídico único dos funcionários públicos; a sofisticação do sistema de contratação nas grandes e médias empresas, pela necessidade da qualificação profissional capacitada; a grande massa dos trabalhadores com pouca qualificação e destinada em especial ao setor serviços em geral, braçais ou assemelhados. E, ao mesmo tempo, formou-se um vasto campo do trabalho informal, por conta própria, com autonomia, de mini e pequenas empresas, do trabalho a domicílio e familiar, entre tantas e variadas modalidades existentes” (in “No Limite da desconstituição do sistema legal de contratação do trabalho”, caderno “Direito e Justiça”, 23.11.2003). Neste universo, anotamos dois pontos extremamente sensíveis a essas mudanças, a organização sindical e o sistema de negociações coletivas.Organização sindical:
O debate atual sobre a organização sindical apresenta (1) a crítica ao atual sistema, propondo ruptura com as raízes históricas e a implantação da ampla liberdade sindical, face a Convenção 87 da OIT e (2) alterações para aperfeiçoar o modelo da unicidade, preservando características vigentes por longos anos nas relações de trabalho.Esse debate desaguará na proposição de anteprojeto pelo Ministério do Trabalho a ser encaminhado ao Presidente da República e, possivelmente, ao Congresso Nacional, ainda nesta legislatura. Há, entretanto, ponderações sobre a necessidade de que um texto consensual seja submetido ao Parlamento, visando tramitação simplificada e aprovação mais ágil. É possível que se encontre uma fórmula que satisfaça aos interesses em contradição, na qual as Centrais Sindicais desempenhariam um papel preponderante, mas com o sistema da unicidade mantido em sua integralidade, dada a sua inconteste eficácia de plena representação profissional e econômica, em especial no campo das negociações coletivas.Esboço histórico:
No que concerne às negociações coletivas de trabalho, também em análise no Fórum Nacional do Trabalho, relembre-se, suscintamente, que as negociações coletivas no período de 46/64 cresceram significativamente, com a efetivação de convenções e acordos coletivos de trabalho e importantes decisões normativas dos Tribunais do Trabalho. A seguir, de 1964 a 1974, o período inicial do regime militar se caracterizou pelo cerceamento da livre manifestação e organização sindical e o absoluto controle das negociações coletivas, submetidas ao arrocho salarial. De 1974 a 1987 é a fase mais intensa da luta pelas liberdades democráticas, resistência e ofensiva dos trabalhadores, criação do PT e da CUT, com a retomada de direitos e vantagens no quadro das negociações coletivas e conquistas normativas nos Tribunais do Trabalho. Os anos de 1988 e 1989 são de consolidação do movimento sindical combativo, das conquistas constitucionais, fortalecem-se as entidades sindicais nas lutas econômicas e políticas, realizam-se mobilizações e greves, cresce a ação política dos trabalhadores, há o fortalecimento das negociações coletivas. De 1990 a 2002 é a fase do avanço da política neoliberal, do livre mercado, desregulamentação de direitos sociais por iniciativa do poder público, privatização das empresas públicas, a legislação trabalhista flexibilizadora, perda de direitos dos trabalhadores, estagnação das conquistas nas negociações coletivas. Mas, paralelamente, manifestou-se a resistência sindical contra a política neoliberal.Dos sindicatos às Confederações-Centrais há lutas marcantes para manter as conquistas anteriores. Fortalece-se o PT. A partir de 2003, o momento caracteriza-se por uma nova experiência política, com a vitória do PT respaldada por uma sólida frente partidária-social-trabalhista-empresarial. Retoma-se a análise crítica do sistema da organização sindical e das negociações coletivas, mas ainda sem vetores mais definidos diante das controvérsias existentes. O ano de 2003 marca a retomada dos reajustes salariais de acordo ou acima da inflação em grande número de categorias profissionais em todo o país, a manutenção dos pisos salariais e das demais condições das convenções e dos acordos coletivos. O TST passa a sustentar essa linha negocial.Características atuais da economia:
A globalização, o livre mercado, a predominância dos grupos oligopolizados internacionais sobre as economias dos países periféricos, a formação de blocos econômicos, são características marcantes da atual conjuntura. .As privatizações em larga escala afastaram o Estado do controle de setores essenciais e estratégicos da economia. São fatores que atingem diretamente os trabalhadores e suas organizações sindicais e políticas. Desenvolvem-se novas técnicas produtivas, novos instrumentos de direção empresarial e métodos nas relações de trabalho, mudando radicalmente o conjunto sistema produtivo. Acirra-se a competição entre os produtores de bens e mercadorias, os preços dos produtos são reduzidos à custa da dispensa de milhões de trabalhadores, muitas fábricas são fechadas diante da impossibilidade de enfrentamento das mudanças e elevam-se os índices de desemprego em quase todos os países.Características atuais do trabalho:
A qualificação profissional passa a ser fator fundamental, inaugura-se uma nova etapa de exigências técnicas e educacionais aos trabalhadores. O setor de serviços se desenvolve largamente, o setor industrial é descentralizado, passando as fábricas a serem construídas em países subdesenvolvidos com mão de obra barata, o setor rural é atingido por esvaziamento constante de trabalhadores. Os trabalhadores são despedidos em massa e geralmente não conseguem novo trabalho no setor produtivo onde estavam inseridos. São obrigados a buscar trabalho em outras atividades, muitas vezes sem qualquer qualificação. Cresce o trabalho informal, precarizado ou terceirizado, sem garantia institucional, legal e social. A grande maioria dos trabalhadores jovens que chega ao mercado de trabalho não consegue colocação e engrossa o exército de mão de obra disponível para as empresas. Os sindicatos têm dificuldades em acompanhar as mudanças no campo do trabalho e não conseguem organizar os desempregados, com poucas iniciativas para o enfrentamento do problema.Negociações e sindicalismo:
As negociações coletivas, diante desse quadro político, econômico, social e sindical, atingiram seu ponto mais crítico. A partir de 2003, retoma-se o processo de elaboração de novas reivindicações, adequadas ao momento de transformações na economia. As negociações coletivas são mantidas através de um esforço coletivo de todas as entidades sindicais, muitas subordinadas a planos de ação federativos ou das Centrais Sindicais. Várias negociações coletivas se deslocam para a negociação direta com as empresas visando a melhoria das condições de salário e de trabalho em setores específicos. O Poder Judiciário Trabalhista retoma timidamente seu poder normativo, garantido cláusulas históricas, fixando reajustes e pisos salariais. Surgem as primeiras propostas de se estabelecer sistema de negociação através da mediação e arbitragem. Os sindicatos reelaboram suas táticas e estratégicas negociais. Esses objetivos referem-se a: a) manter os principais patamares da convenção ou acordo coletivo de trabalho; b) conquistar benefícios e reajustes salariais diante dos índices da inflação; c) incluir cláusulas relativas às novas condições de trabalho face as mudanças tecnológicas; d) obter vantagens nas negociações específicas com as empresas quanto a banco de horas, jornadas de trabalho, metas produtivas, planos de saúde, incentivos educacionais e profissionais; e) estabelecer cláusulas de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas inseridas no contexto geral das negociações.Garantias constitucionais e legais:
Os trabalhadores e suas entidades representativas continuam enfrentando as questões relativas ao desemprego, informalidade, ausência de proteção dos direitos básicos, sangria em seus recursos financeiros, temor dos empregados por ações repressivas diante de suas reivindicações, entre outros fatores negativos. A grande maioria das entidades sindicais profissionais desenvolve amplo esforço para manutenção das conquistas obtidas em acordos e convenções coletivas de trabalho, minimizando a perda salarial e buscando introduzir novas cláusulas de direitos no campo social. Na atual conjuntura, impossível falar-se em livre negociação, face o desequilíbrio de forças entre as partes contratantes. Justamente por isso que a norma constitucional e a lei, como garantias básicas, são necessárias e fundamentais para diminuir a enorme distância existente entre o poderio do capital e as atuais dificuldades dos trabalhadores, visando a sustentação de direitos historicamente conquistados na luta da classe trabalhadora. Por isso, falar-se em reforma trabalhista e sindical neste contexto, é temerário. Melhor será uma política de fortalecimento do movimento sindical dos trabalhadores, superação do desemprego e da informalidade, avanços no campo da garantia social, buscando um reequilíbrio básico nas relações capital-trabalho. A realização dessas pré-condições ensejaria, então, falar-se em reforma da estrutura sindical e do trabalho. Atualmente, o campo está minado.Edésio Passos
é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da ABRAT, integrante da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e assessor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Deputado federal na Legislatura 1990/1994. E.mail: edesiopassos@terra.com.br