Pesquisas atrasadas, gastos extras com importações, compras no exterior adiadas, acervos de bibliotecas a caminho da defasagem e incertezas quanto ao futuro próximo. Essas são algumas das conseqüências que os institutos de pesquisas brasileiros, vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) estão tendo de enfrentar por causa da alta dólar, que passou de cerca de R$ 2,60, em maio, para os R$ 3,73 de hoje.
Um exemplo é o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio. Há alguns meses a instituição fechou a importação de ?cluster? de computadores (um conjunto de máquinas que trabalham como se fossem uma só) por US$ 110 mil, com o dólar a R$ 2,80. No mês passado veio a fatura, mas com a moeda americana cotada a R$ 3,60. ?Nosso gasto com a compra dos computadores, que seria de R$ 308 mil, cresceu para R$ 396 mil? diz Márcio Portes de Albuquerque, coordenador de Atividades Técnicas do CBPF. ?Num orçamento apertado, essa diferença pesa.?
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é outro exemplo. Seu gasto já contabilizado com importações, de maio até a semana passada, foi 47,5% maior do que seria sem a crise cambial. Isso representa cerca R$ 300 mil.
Esse valor, assim como os R$ 88 mil que o CBPF teve de gastar a mais, pode parecer relativamente pequeno, mas não é se for levado em conta o contexto de cortes de verbas que as instituições do País vivem atualmente. Todas tiveram redução de cerca de 30% em seus orçamentos, conseqüência do contingenciamento do orçamento do próprio MCT.
O previsto, na lei, para este ano, era de R$ 2,8 bilhões mas o gasto real ficou em R$ 1,3 bilhão. Assim, qualquer despesa extra aumenta as dificuldades. Os institutos são obrigados a canalizar o dinheiro para projetos prioritários, prejudicando outros.
?É a história do cobertor curto?, diz o físico Luiz Carlos Moura Miranda, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). ?Cobre-se uma pesquisa e descobre-se outra.?
No caso do Inpe, a área mais sacrificada é a de sensoriamento remoto, que faz o monitoramento da safra de grãos do País. O orçamento do instituto para esse trabalho era de R$ 830 mil, mas o MCT mandou apenas R$ 250 mil, dos quais R$ 150 mil já foram empregados.
?Tivemos de priorizar projetos como a construção de satélites?, explica Miranda. ?Temos parcerias com a França e a China e prazos a cumprir. Não podemos remanejar recursos desses projetos.?
Isso não significa que o sensoriamento remoto não seja importante. Com base nesse sistema, é feito o pagamento de seguros agrícolas pelo governo aos agricultores que, por algum motivo, perderam suas safras – e para isso são fundamentais as imagens de satélite (sensoriamento remoto), que mostram se o requerente plantou de fato a área declarada e se perdeu mesmo a colheita. ?Até agora a falta de dinheiro não comprometeu esse trabalho?, garante Miranda. ?O problema é daqui para a frente. Se a situação não mudar, teremos sérios problemas no próximo ano.?
É a mesma preocupação de Peter Toledo, diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), um dos maiores depositários de conhecimento sobre a Amazônia do mundo. O problema de Toledo, no entanto, é a compra de publicações científicas. Todos os anos o MPEG adquire cerca de 200 títulos de periódicos estrangeiros, que custam cerca de US$ 100 mil.
Em 2002, as assinaturas foram feitas com o dólar a R$ 2 90. ?Com a moeda americana a quase R$ 4,00, não teremos condições de renovar as assinaturas no próximo ano, pois nosso orçamento não vai aumentar?, queixa-se Toledo. ?Nossa biblioteca vai ficar defasada e não teremos condições de recuperá-la, o que vai prejudicar enormemente nossos pesquisadores.?
A situação deve se repetir em todos os institutos de pesquisa federais. A previsão é do próprio secretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa, do MCT, João Evangelista Steiner. O gasto total do governo com assinaturas de periódicos neste ano foi de US$ 3 milhões. Com o dólar cotado a R$ 2,50, isso correspondeu a R$ 7,5 milhões. Para 2003, o valor salta para R$ 11,7 milhões, dinheiro que o MCT não terá. ?Por isso, ainda não renovamos nenhuma assinatura?, admite Steiner.