Alma lavada

Valeu um bolo na cara do presidente do partido, José Genoíno, mas a ida de Luiz Inácio Lula da Silva a Davos e arredores pode ter um significado bem maior que o protesto de inconformados “confeiteiros sem fronteiras”. Pelo menos para Lula, que tomou consciência de que é o presidente de um país de 175 milhões de pessoas e que seu papel, agora, não é apenas contestar, “mas fazer aquilo que sempre acreditei quando era oposição”.

Queiram ou não queiram os radicais de sempre, Lula lá e cá despertou a curiosidade (e até os risos…) de circunspectos governos, como o alemão. “Volto ao Brasil com a alma lavada”, disse o presidente depois de seu encontro com o chanceler alemão Gerhard Schroeder – um velho conhecido seu dos tempos de embates sindicais.

A alma lavada do presidente, entretanto, pode ter vida efêmera. O que está em jogo aqui dentro não é a mesma coisa que conta lá fora. O cenário da guerra contra a fome e seus desdobramentos é bem diverso daquele desenhado em países do primeiro mundo, onde a guerra de verdade atende a causas nem sempre claras à humanidade bem nutrida ou à outra parte, de miseráveis e famintos. O Brasil da paz e do amor, e do clube dos amigos da Venezuela, já está sendo convocado a liderar o clube dos amigos do Iraque. E de clube em clube – e não dá para esquecer os muitos clubes locais -, há que se imaginar as contradições de interesses, motivadores da canalização de recursos à indústria bélica em prejuízo àquela dos alimentos.

É verdade o que disse: “Somos nós que temos de fazer nossa riqueza, perceber onde estão nossos erros”. Ou – pelo menos em parte – que nossos problemas e soluções estão dentro do Brasil e não fora dele. Na curta viagem ao Velho Mundo, Lula voltou convencido de que os países hoje ricos conquistaram seus espaços e, assim, somos nós que temos que criar nossas chances, pois ninguém dará de graça o que precisamos. Enfim, “somos nós que precisamos construir o Brasil que queremos”.

O Brasil que queremos – dá para imaginar – não é esse que tínhamos. Nem este que se desenha a partir da posse do ex-metalúrgico no cargo de presidente, diverso daquele pintado pela campanha da esperança. Nossa posição sobre a guerra do Iraque não deve ser mais importante que a nossa preocupação com a segurança, com o desemprego, com a falta de moradia aqui dentro de nossas fronteiras. Nem com as nossas injustiças internas – esse cadinho de diferenças, contrastes e exclusões a potencializar nossas mazelas.

O que se espera é que, depois de lavar a alma lá fora, Lula de fato coloque sua equipe para trabalhar, não apenas na aglutinação de apoios a qualquer preço, como se observa no Congresso Nacional. Subir juros e impostos, congelar tabelas e valorizar o câmbio eram coisas a que estávamos acostumados. Votamos na mudança e na promessa de reformas para valer. E é este o Brasil que queremos. Se não está convencido disso, que Lula organize outra viagem coletiva com seus ministros, agora não para o “fometur” ou para Davos, mas para as áreas onde estão brasileiros que trabalham, produzem e sustentam esse outro Brasil da oratória e das viagens (sejam internas ou externas) capazes de lavar a alma de qualquer um, porque subsidiadas pelo erário público.

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