O novo Código Civil trouxe alterações significativas que têm causado polêmica quanto a sua interpretação e aplicação pelos profissionais da área jurídica, principalmente aqueles que atuam no foro extrajudicial. Dentre as dúvidas surgidas, questiona-se a possibilidade de alienação do usufruto ao proprietário da coisa e suas implicações tributárias decorrentes da prática desse ato jurídico.
O usufruto não foi conceituado no novo Código Civil, mas a doutrina e a jurisprudência já consolidaram seu entendimento no decorrer dos tempos. É o direito real, temporário e intransmissível de desfrutar um objeto na integralidade de suas relações, sem lhe alterar a substância. Ao usufrutuário é atribuído o poder de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacados da propriedade. Assim, as maiores características do usufruto são a inalienabilidade e a temporariedade.
Nos ensinamentos de Orlando Gomes, “A função econômica do usufruto é precipuamente assegurar a certas pessoas meios de subsistência. Tendo finalidade alimentar, razão por que se restringe praticamente às relações familiares, é concedido gratuitamente, e, quase sempre, por testamento”(1).
Por ser direito temporário, o art. 1.410 do novo Código Civil expressa que não se pode prolongar além da vida do usufrutuário, se pessoa natural, ou de 30 anos, se pessoa jurídica, ou pelo implemento do termo de sua duração estabelecido para sua vigência.
O art. 717 do CC/1916 vedava o usufruto por alienação, ressalvada a hipótese de ser ao proprietário da coisa. “O usufruto só se pode transferir, por alienação, ao proprietário da coisa; mas seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. O art. 1.393 do novo Código fez considerável alteração na redação, assim redigida: “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. A partir da vigência do novo diploma legal, a exceção prevista no texto anterior deixou de existir, retirando do ordenamento jurídico a possibilidade de alienação do usufruto ao proprietário do bem.
A possibilidade do nu-proprietário vir a exercitar o domínio pleno da propriedade é somente através da extinção do usufruto, cujas hipóteses legais estão elencadas no art. 1.410 da lei civil. Note-se que o referido dispositivo relaciona taxativamente as situa-ções que porão fim ao direito real. Interpretar e aplicar o comando legal de forma diversa da norma positivada é inovar a ordem jurídica e usurpar competência constitucional cabível somente ao legislador.
Diversamente, a cessão do exercício do usufruto, por título gratuito ou oneroso, é admitida pelo art. 1.393 do CC/2002, não se confundindo com o direito real propriamente dito. Pode-se afirmar que é uma faculdade que as pessoas têm de contratar e de auferir as vantagens e frutos da coisa, inserida no campo dos direitos pessoais e obrigacionais.
A prática até então comum do titular do domínio de alienar a nua propriedade a (A) e o usufruto a (B), para, mais tarde, (A) e (B) alienarem o usufruto e a nua-propriedade a um terceiro (C), não pode mais ser realizada. Da mesma forma, é defeso ao titular do domínio alienar a nua propriedade a (A) e o usufruto a (B), para mais tarde (B) alienar o direito real ao adquirente da nua propriedade (A). Igual interpretação deve ser aplicada à nova forma dada ao fideicomisso no novo Código Civil, previsto no art. 1.572, parágrafo único. Se ao tempo da morte do testador (fideicomitente), já tiver nascido o fideicomissário, passará o fiduciário a ser usufrutuário do bem fideicometido. A propriedade é bipartida, exercendo o fideicomissário o domínio do imóvel gravado com o usufruto.
As duas primeiras situações, antes da entrada em vigor do novo Código, eram usuais e aconteciam de duas maneiras: onerosa, incidindo o imposto municipal (ITBI) ou por doação, incorrendo na obrigação de pagar o imposto estadual (ITCMD). Muitas vezes, essas alienações onerosas eram apenas simulações, com a elaboração de uma realidade apenas formal, objetivando ocultar a existência de verdadeiras doações. Com efeito, essas simulações permitiam a evasão fiscal do imposto de competência do Estado (ITCMD), uma vez que sua carga tributária é mais gravosa se comparada com a do imposto municipal (ITBI). A pratica desse ilícito era de difícil comprovação, pois a legislação civil previa a transferência do usufruto ao nu-proprietário e contava com o silêncio das partes. Com a entrada em vigor da atual lei civil, essa transferência não pode mais ocorrer, por ausência de respaldo legal. Conseqüentemente, o uso e a fruição do bem de outra pessoa só se extingue pelas causas previstas no art. 1.410 do CC/2002. Como se observa, o novo Código pôs fim à possibilidade de práticas ilícitas, não admitindo a alienação do usufruto ao nu-proprietário, sob pena de responsabilidade pessoal do Tabelião e do Oficial do Registro que assim o fizer. Cabe a eles, sim, recusar a realização de atos que a lei impede, como ocorre quando a alienação do usufruto se faz presente.
A consolidação da propriedade plena, com a transmissão onerosa do usufruto ao proprietário e o pagamento indevido do ITBI, pode ocasionar responsabilidade tributária dos Tabeliães e dos Registradores, imputação essa que pode ocorrer quando observada a sonegação do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). Deve-se esclarecer que o ITCMD incide na maior parte das hipóteses de extinção de usufruto previstas no art. 1.410, portanto, ao admitir a alienação onerosa do usufruto, está se impedindo a realização do fato jurídico necessário e o surgimento desse imposto.
Os profissionais que não observarem a nova lei suportarão o encargo fiscal, pois o Código Tributário Nacional atribui aos tabeliães, escrivães e demais serventuários dos ofícios responsabilidade solidária com o contribuinte, em relação aos atos por eles praticados, ou perante eles, em razão de seu ofício (art. 134 do CTN). A solidariedade prevista não é aplicável ab initio. A referida norma do CTN exprime que apenas na “impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal” é que os responsáveis se tornam solidariamente obrigados pelos débitos fiscais nos atos em que intervierem ou às omissões(culposas) de que forem efetivamente responsáveis.
Nota
GOMES, Orlando. Direitos Reais, p. 277.
Jackson Paulo Fachinello
é auditor fiscal da Receita Estadual do Paraná, bacharel em Direito e Economia, com especialização em Direito Tributário.