Em recente palestra proferida pelo Dr. Sergio Seiji Shimura(1), que abordou o tema: Aspecto Gerais da Reforma no Processo de Execução, no Simpósio sobre Reformas Legislativa Introduzidas no Código de Processo Civil, evento realizado pela FIO (Faculdades Integradas de Ourinhos), no período de 1 a 3 de setembro do corrente ano, o palestrante defendeu a necessidade da prestação de caução pelo credor exeqüente, quando por este requerida a alienação antecipada de bem perecível penhorado, tal como ocorre, por analogia, com a execução provisória de sentença, que só autoriza a alienação dos bens penhorados desde que o credor preste caução, nos moldes do art. 588, II, do C.P.C, com a nova redação determinada pela Lei n.º 10.444/2002.
Creio que a questão comporte raciocínio divergente do posicionamento do ilustre palestrante.
De fato, o art. 670, do C.P.C, autoriza as partes, no processo de execução, requerer a alienação antecipada, conquanto: I – sujeitos a deterioração ou depreciação, II – houver manifesta vantagem. Se requerida a alienação, o Juiz deverá ouvir a parte ex adversa antes de decidir o pleito, nos moldes do parágrafo único do art. 670, e o §2.º, do art. 1.113, ambos do C.P.C.
Perceba-se, desde já, que não somente o credor, mas o devedor também poderá requerer a alienação antecipada, nas circunstâncias aviventadas, uma vez que, o caput do referido artigo refere-se às partes. Vale dizer, a pretensão pode ser deduzida tanto pelo exeqüente como pelo executado. Aliás, até mesmo o Juiz, ex officio, poderá determinar a alienação antecipada, tratando-se de bens de fácil deterioração, que estiverem avariados ou exigirem grandes despesas para a sua guarda, conforme o escólio de Humberto Theodoro Júnior.(2)
Deferindo a alienação, se requerida por qualquer das partes, não se cogita mesmo da necessidade da prestação de caução e nesse aspecto o legislador andou bem. Explica-se:
Tratando-se, especificamente, de bem perecível, qual o caso contemplado no inciso I, do art. 670, do C.P.C., a alienação antecipada, nesta circunstância, fará com que a penhora, antes incidente sobre o bem perecível, agora sub-roga-se no produto da alienação. Portanto, ocorre a sub-rogação legal na forma prevista no art. 1.116(3), do C.P.C. Evidente que o produto da alienação será depositado em conta bancária remunerada, a ordem do juízo e somente poderá ser levantada depois de esgotados os meios de defesa do devedor.
Defender a exigência de caução, quando a iniciativa do requerimento da alienação antecipada partiu do credor, no caso específico, traria duas ordens de conseqüências deletérias, conforme será esclarecido.
Imagine-se que o ato de constrição judicial tenha recaído sobre 500 (quinhentas) caixas de óleo comestível, cujo prazo de validade do produto penhorado seja de 06 (seis) meses, o que atesta a sua perecibilidade, na medida em que, vencido o prazo, o produto se torna imprestável ao fim destinado (consumo). Imagine-se também que o depósito do produto foi conferido ao próprio credor exeqüente.
Efetivada a penhora, o devedor será intimado para, se quiser, oferecer embargos, no prazo de 10 dias, conforme o art. 669 c/c o art. 737, I e 738, I, todos do C.P.C. Se oferecida ação de embargos, o processo de execução será suspenso (CPC, art. 739, §1.º c/c o art. 791, I), o qual somente terá prosseguimento após a decisão a ser proferida nos embargos, em face da relação de prejudicialidade(4). O julgamento da ação de embargos, obviamente, demanda tempo e como este não pára, a cada dia transcorrido reduz-se o prazo de validade do produto penhorado.
Diante da situação hipotetizada, o credor então dirige requerimento ao Juiz pleiteando a alienação antecipada, nos moldes do art. 670, caput, do C.P.C. Se fosse necessária a prestação de caução, real ou fidejussória, e não tendo o credor condições de prestá-la, tal importaria em duplo prejuízo, um para o credor, porque, vencido o prazo de validade do produto, a penhora tornar-se-ia ineficaz, eis que o produto perdeu seu valor econômico, e outro para o devedor, pois, seria obrigado a consentir a penhora em outros bens de seu patrimônio. Quem então suportaria o prejuízo?
Resta, assim, demonstrada que a preocupação do palestrante sugerindo, de legis ferenda, a alteração da atual redação do art. 670, do C.P.C, para se exigir a necessidade de prestação de caução, em caso de pedido de alienação antecipada de bem perecível formulado pelo credor, por analogia ao que hoje ocorre em face da execução provisória de sentença, é equívoca, podendo até mesmo ensejar prejuízo.
Data venia, a sugestão não é consentânea com o posicionamento doutrinário e a razão disso parece óbvia. Esclareça-se:
Autorizada pelo Juiz, a requerimento do credor, a alienação antecipada de produto perecível penhorado, com ou sem o consentimento do devedor, evidente que tal será feito em de hasta pública, na modalidade de leilão, conforme preconiza o art. 1.113, do C.P.P., onde não se aceitará lanço vil. Arrematado que seja o bem, a penhora sub-rogar-se-á no produto da alienação, cujo numerário deverá ser depositado em conta bancária remunerada, permanecendo neste estado até que ocorra o desfecho na ação de embargos, caso tenha sido promovida, ou o desfecho na própria ação de execução.
Julgados os embargos improcedentes, definitivamente, permanecendo, portanto, íntegro o direito de crédito reclamado no título, bastará ao credor requerer o levantamento do numerário depositado, dando-se por satisfeito seu crédito e o devedor terá cumprido sua obrigação de pagar, extinguindo-se a execução (CPC, art. 794, I).
Ocorrendo o contrário, isto é, julgados totalmente procedentes os embargos interpostos pelo executado, desconstituindo-se, portanto, a eficácia do título executivo que representava o direito de crédito, o Juiz julga extinta a execução e autoriza o devedor a levantar a penhora, ou seja, o devedor terá de volta o numerário suficiente, ou até superior, para adquirir outras 500 caixas de óleo comestível, sem prejuízo para ambas as partes litigantes.
Caso o numerário levantando se mostre insuficiente para aquisição da mesma quantidade do produto, quer porque não houve condizente remuneração na conta bancária onde permaneceu depositado, ou porque fora arrematado por preço inferior ao da avaliação, a lei processual confere ao devedor o direito cobrar do credor, no mesmo processo, o prejuízo apurado, segundo o que dispõe o art. 574, do C.P.C.
Inquestionável que a exigência de caução, na situação analisada, importaria em empecilho injustificado, gerando conseqüências danosas para ambas as partes no processo de execução, eis que, por um lado, o credor correria o risco de não ter o seu crédito satisfeito, por outro, o devedor perderia a oportunidade de realizar sua obrigação de pagar, ante a ineficácia da penhora, decorrente da superveniência do fato (fluência do prazo de validade) que tornaria o bem penhorado sem valor econômico.
Por esta razão, registra-se esta divergência de cunho acadêmico, mas de conseqüência prática, para sustentar a impertinência e desnecessidade da exigência de caução, diante das situações preconizadas no art. 670, I, do Código de Processo Civil. Ao contrário do que se pretende evitar com a prestação de caução, a sua exigência, no caso, é que poderia importar em eventual prejuízo, quer para o credor, quer para o devedor.
Notas:
(1) Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.
(2) THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 34 ed., vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 210.
(3) C.P.C., art. 1.116: Efetuada a alienação e deduzidas as despesas, depositar-se á o preço, ficando nele sub-rogados os ônus ou responsabilidades a que estiverem sujeitos os bens.
(4) Diz-se relação de prejudicialidade porque a ação de embargos se apresenta como uma demanda que deverá, necessariamente, ser apreciada antes do desfecho do processo executivo, conforme escólio de CÂMARA FREITAS, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil, 7.ª ed., vol. II, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 399.
Claudionor Siqueira Benite
é advogado em Jacarezinho-Pr. Mestre em Ciência Jurídica pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro e com especialização em Processo Civil. Professor na Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro e nas Faculdades Integradas de Ourinhos.