Algemas: Supremo opta pelo fim da execração

I.

O plenário do Supremo Tribunal Federal em 13 de agosto de 2008, mediante iniciativa própria, isto é, sem provocação de terceiros legitimados (Procurador-Geral da República, Conselho Federal da OAB, Defensor Público-Geral da União etc), conforme autorização constitucional expressa no artigo 103-A da Carta Magna, resolveu sepultar em definitivo o uso abusivo e indiscriminado de algemas nas operações policiais e nos atos processuais, vez que editou a 11.ª Súmula Vinculante com o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade do Estado”.

A decisão da excelsa corte foi tomada em razão de diversas operações da competente Polícia Federal, porém, com o respectivo uso exagerado de colocação de algemas aos detidos, entre as quais, Têmis (venda de sentenças favoráveis aos jogos ilegais), Sanguessuga (compra superfaturada de ambulâncias), Vampiro (fraude em licitação de hemoderivados) e a mais eloqüente, a operação Satiagraha (desvio de verbas públicas, lavagem de dinheiro, corrupção etc), e principalmente durante a sessão de julgamento de uma ação de Habeas Corpus autuada sob o n.º 91.952, em que foi anulada a decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri da cidade de Laranjal Paulista (SP), pois, durante todo o julgamento o acusado permaneceu algemado, embora seu Defensor protestasse contra o excesso, explica-se: no entender do Supremo a colocação desnecessária de algemas viola o princípio da dignidade humana, e no caso específico gerava mesmo que de maneira indireta, uma presunção de culpa contra o acusado, e essa sensação atingira o Conselho de Sentença, vez que viciava a livre vontade dos jurados.

Assim, diante dessa situação constrangedora, o ministro Marco Aurélio bradou: “Manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradente”, outrossim, Marco Aurélio aduziu que “o julgamento de júri é feito por pessoas leigas, que ao verem o réu algemado podem imaginar que ele é perigoso”.

Já quando da sessão plenária que definiria o teor da 11.ª súmula vinculante, o presidente da suprema corte de justiça, ministro Gilmar Mendes disse que a súmula tem basicamente o objetivo de evitar o “uso de algemas para exposição pública do preso”, e que “ a Corte jamais validou esta prática, que viola a presunção da inocência e o princípio da dignidade humana”, e de que o objetivo, muitas vezes, “ é algemar e colocar na TV”.

II.

Mas, o que é Súmula Vinculante?

Súmula é a síntese de um entendimento jurisprudencial extraída de repetidas decisões num único sentido, assim, o STF por diversas e reiteradas vezes decidiu que o uso desnecessário de algemas viola princípios constitucionais, entre os quais, o da dignidade, pois, expõe o detido à ilegítimo constrangimento.

Outrossim, diz-se vinculante em razão de obrigar todos os agentes públicos (no caso, juízes e policiais) ao seu fiel cumprimento, pois, caso esses agentes a desrespeite, ficarão sujeitos a diversos processos: administrativo (sanção disciplinar), civil (indenização) e criminal (abuso de autoridade), além de ensejar a responsabilidade objetiva do Estado na indenização por eventual dano moral.
Insta ressaltar que a súmula vincula, ou seja, obriga o Judiciário (juízes, desembargadores e ministros), bem como a Administração Pública direta ou indireta nos três níveis (federal, estadual e municipal) ao seu exato cumprimento, contu,do, ela não obriga o Poder Legislativo em suas funções típicas, assim, pode esse Poder mediante Lei ou Emenda Constitucional, aprovar um texto que contrarie o teor da vinculante súmula.

Oportuno afirmar que o próprio Supremo, de ofício, ou mediante provocação dos legitimados, pode rever ou mesmo cancelar qualquer súmula vinculante.

III.

Outro aspecto muito importante a ser observado está contido na nova Súmula, isto é, se não houver risco de fuga ou não ocorrer risco à integridade do agente público ou de terceiros, a prisão efetivada será passível de nulidade, ou seja, a pessoa injustamente vilipendiada em seus direitos deverá ser posta em liberdade imediatamente, portanto, ao cumprir o mandado prisional ou mesmo ao efetuar uma prisão em flagrante delito, deverá o agente responsável observar o enunciado vinculante, e assim, se o detido não ensejar riscos (agressão ou fuga), de maneira alguma haverá direito de algemá-lo.

Frise-se que a edição da aludida Súmula Vinculante, teve votação unânime de todos os componentes da excelsa corte, ou seja, 11 ministros resolveram dar um basta nas reiteradas espetacularizações das prisões midiáticas, como muito disse o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, ademais, surge na população o entendimento de que, caso não se algeme o agente, no futuro não haverá punição, e de outro lado o seguinte conformismo: “pelo menos saiu algemado, embora será absolvido”, entretanto, o fato de se algemar alguém, não enseja sentenças condenatória ou absolutória.

Deve-se lembrar, que via de regra, o criminoso do “colarinho branco” não oferece risco quando de sua prisão, todavia, na baixa criminalidade (seqüestradores, traficantes etc), o risco é evidenciado pela atitude tomada por esses criminosos, portanto, não se algema quem é pobre ou rico, e sim àquele cuja necessidade é imperiosa.

Por fim, ressalte-se que a colocação de algemas não representa o fim da impunidade, vez que essa ocorre (muitas vezes) por deficiência das provas colhidas, ou mesmo na ilicitude da sua obtenção.

Conclusão: a Sumula Vinculante 11, não impede a colocação de algemas, apenas regula as regras que validam sua imposição, respeitando princípios constitucionais.

Jorge Alexandre Karatzios é advogado Criminalista, e professor de Direito Penal e Processo Penal.

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