Em razão da recente operação ?Dominó? da Polícia Federal, no Estado de Rondônia, o excelso Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre o ?uso de algemas?. Reconheceu-se que o uso de algemas não está regulamentado, por falta de ato normativo que explicite o art. 199 da Lei de Execuções Penais: ?O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal?, que deve ser entendido como Lei Federal.
Segundo o noticiado no Informativo n.º 437 do STF, no julgamento unânime do HC 89429/RO, Relatora Ministra Carmen Lúcia, em 22.8.2006, o uso de algemas não pode ser arbitrário.
E, mais adiante, afirma ?que a prisão não é espetáculo?, com o que concordamos plenamente, o que tem sido uma das maiores críticas à atuação da Polícia Federal, principalmente, quando presos temporários são expostos à ação devastadora das câmeras de televisão, o que deve ser revisto com urgência. Possivelmente, se não houvesse registro midiático das prisões, sequer haveria provocação do STF sobre o assunto, embora seja de todo recomendável essa manifestação pretoriana.
Ainda segundo o Informativo do STF, o recurso de algemas ?deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.?
Sem embargo, o v. acórdão terminou por reconhecer que o uso de algemas é a regra, e não exceção. O preso que tem contra si expedido mandado judicial de prisão é de periculosidade presumida. Aliás, o instinto humano é de liberdade e a presunção ?juris tantum? é de procura incessante por essa. Vejam-se os casos ?Salvatore Caciolla?, ?Jorgina de Freitas?, ?PC Farias?, entre outros que buscaram o abrigo internacional. É ditado popular que toda regra tem exceção, mas não quanto à fuga do preso: até os presos que necessitam de cuidados médicos têm buscado a liberdade quando são internados e os tribunais admitem até que a tentativa de fuga é um direito do preso.
A literatura policial é recheada de casos de presos algemados para frente que retiram a arma do policial, fogem em aeroporto algemados, ou, conduzidos em viaturas sem algemas, agridem o policial e provocam o capotamento do veículo com vítima fatal.
Por outro lado, data venia, o magistrado não tem como aquilatar a periculosidade do agente criminoso no momento da prisão. Pode fazê-lo na decisão que determina a prisão temporária, mas não terá elementos concretos, por falta de juízo de antecipação fática, para prever como o preso irá se portar no ato de leitura do mandado de prisão. O preso pode ser um pacato pai de família que, na iminência de ter sua liberdade restrita, usará todos os recursos ao seu alcance para se livrar solto. Qual seria o parâmetro então? O preso bacharel em Direito teria mais condições de avaliar seu ?status libertatis?? O assaltante de banco, réu primário, sem antecedentes criminais, portanto, deveria ser algemado? O nível social ou o nível de escolaridade deveriam contar pontos para a retirada das algemas do preso de colarinho branco ou parlamentar? A discriminação, em qualquer dos casos referidos, seria odiosa e quebraria a isonomia constitucional, como o faz o art. 242 do vetusto Código de Processo Penal Militar.
Não custa lembrar que o juiz Rowland Barnes, 64, e sua estenógrafa, Julie Brandau, na corte do Condado de Fulton, Atlanta, EUA, foram assassinados no mês de março do ano de 2005, por Brian Nichols, 34, acusado de estupro, que, sem algemas, conseguiu retirar a arma da policial da escolta e alvejá-los. O acusado, recapturado, foi descrito por seu advogado como pessoa ?com uma personalidade tranqüila e muito querido entre seus companheiros de trabalho? (http://www.cruzeironet.com.br /run/11/163485.shl).
O ato de algemar não é um constrangimento ilegal. Poderá sê-lo se procedido tão somente para filmagem e divulgação em rede nacional, o que sujeita o policial a sanções disciplinares, sem prejuízo de outras que sejam pertinentes. O que deve ser combatido é a prisão ilegal. Recriminar o uso de algemas é querer que o policial aceite que a vida do preso é mais importante que a sua própria vida, quando, na verdade, ambas têm o mesmo valor.
O uso de algemas é a prática e técnica de imobilização que tem garantido o sucesso das operações policiais de qualquer corporação que trate da Segurança Pública, no Brasil ou no exterior, ou seja, prisões sem vítimas fatais. A família do policial pode esperar que esse retorne para casa seguro, porque serão adotadas todas as medidas de segurança possíveis para a proteção do agente público: planejamento operacional, algemas, colete e arma de uso pessoal.
Em síntese, a Segurança Pública no Estado Democrático de Direito deve:
– coibir o uso arbitrário de algemas que vise à humilhação, perseguição, prejulgamento e discriminação do preso ou conduzido em detrimento da preservação da sua dignidade;
– usar algemas com a finalidade de prevenir, desestimular e coibir a reação do preso ou conduzido, através de sua imobilização e contenção, independentemente do enquadramento típico-penal da conduta censurada, pois a avaliação do estado anímico do réu/investigado é feita no ato da prisão e não só pelos fatos pretéritos cometidos;
– estabelecer o momento adequado para imobilização e contenção do preso, recomendado o uso de armas não-letais, desde a abordagem com a vocalização da ordem de prisão (?voz de prisão?) até a entrega do preso em estabelecimento prisional, ultimados os atos de polícia judiciária;
– colocar algemas a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo; c) na condução de preso por ordem judicial ou em flagrante delito, salvo determinação justificada em contrário, sem prejuízo da avaliação da situação de risco no momento da prisão; d) para não comprometer o planejamento operacional ou fragilizar a vida e a segurança de terceiros, da vítima do delito apurado, da equipe policial e do preso ou conduzido;
– ter em mente que o manejo de algemas é uma alternativa ao uso de armas letais e ao uso de força desmedida e ocorrerá, em diversos níveis de gradação, mediante: a) a colaboração do preso ou conduzido; b.) a utilização de técnica policial adequada; c.) o recurso proporcional e razoável da força, com finalidade de imobilização e contenção.
A função policial transpassa a repressão à criminalidade. É também essencial que a vida seja preservada, como regra. E para que seja regra, e não exceção, o uso de algemas, desde que consciente e não arbitrário, deve ser incentivado e não reprimido.
Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal da Diretoria de Combate ao Crime Organizado. Professor da Academia Nacional de Polícia, pós-graduado em processo civil e segurança pública.