Qualquer que seja o acordo firmado por um país, deve-se levar em conta o interesse de toda a sociedade – seus agentes sociais, econômicos e políticos, com o objetivo único de preservar a autonomia da nação e o bem-estar dos cidadãos.
No entanto, utilizando-se do pretexto da complexidade de temas como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o que tem acontecido é que tanto a discussão como as decisões acabam ficando reservadas a um determinado escalão da sociedade, envolvendo somente alguns agentes.
Mas o que deveria ocorrer é exatamente o contrário, ou seja, uma discussão ampla e transparente. A Alca, acordo que vai afetar diretamente o dia-a-dia das pessoas, não se restringe aos produtos agropecuários, mas abrange relações de serviços, comerciais e industriais de todos os países comprometidos com o bloco econômico. Para se ter uma idéia da importância do tema, é só dar uma olhada nos números: os 34 países que, em teoria, farão parte da Alca, representam um comércio internacional de US$ 3,4 bilhões ao ano. Apenas os Estados Unidos, maior sócio da área, têm um PIB de US$ 10,5 trilhões, mais de vinte vezes superior ao PIB brasileiro. Esse gigante é também o maior mercado consumidor do mundo e uma liberalização de suas rígidas normas de importação poderia descortinar horizontes até aqui inimagináveis para nossas exportações de aço, suco de laranja, carne ou café.
Portanto, por mais complexo que seja o tema, é obrigação e dever do Estado, antes de concretizar qualquer acordo, prestar todo esclarecimento à sociedade brasileira.
Questionamentos como os que aparecem apenas hoje, por exemplo, sobre os modelos adotados de privatização e abertura de mercados, surgiriam a tempo de ser apreciados, dando oportunidade ao cidadão de participar do processo. Ou, pelo menos, de saber como o acordo afetará sua vida. Essa precaução poderia evitar surpresas como a do consumidor que pagou a conta do apagão, no ano passado, de quem desembolsa R$ 3,00 no pedágio para percorrer 10 km, do estudante que ansiava pela queda nos preços dos computadores, do pequeno produtor de algodão que engrossou o Movimento dos Sem Terra por causa das importações irresponsáveis ou do interiorano que perdeu a única agência bancária que existia para as suas transações comerciais.
O risco que corremos é que, na ótica das autoridades, todas as grandes decisões têm o rótulo de promover o crescimento econômico do País. Mas o que precisamos é de desenvolvimento e, como lembra o economista Argemiro Luis Brum, esses dois termos não são sinônimos. Enquanto o crescimento é o aumento do acúmulo das riquezas geradas pelos agentes econômicos instalados num país ou região, o desenvolvimento é o resultado da melhor utilização possível dessas riquezas. O Brasil, que poderá ostentar um superávit comercial de US$ 23 bilhões ao final do ano, graças, em grande medida, ao desempenho do agribusiness, nunca esteve em melhores condições para negociar uma adesão soberana à Alca do que agora. Com as contas públicas razoavelmente em ordem, uma imagem que ganha credibilidade a cada dia junto aos investidores internacionais e uma perspectiva real de retomada do crescimento econômico já no próximo ano, o Brasil é um sócio que simplesmente não pode ser descartado.
Logo, o mais importante para a população é saber se a Alca nos trará as melhores condições de negociar nossas vantagens competitivas – temos mão-de-obra, mercado consumidor, áreas para produzir e recursos naturais, ingredientes indispensáveis ao “crescimento”. Em troca, necessitamos de capital para investir em infra-estrutura (saneamento básico, malha de transporte, portos, etc.), condições básicas para o desenvolvimento sustentável do País.
Para concluir, na condução das negociações que levarão à Alca não há lugar para radicalização, pois não devemos esquecer que, assim como nós queremos a proteção do Estado, os cidadãos dos países que dividirão a Área de Livre Comércio conosco também a querem. Mas o fato é que, a partir das negociações já realizadas, o processo continuará caminhando com todos os 34 sócios. E em se tratando da harmonização dos interesses de 34 países, um pequeno avanço unânime é muito mais importante do que qualquer decisão unilateral.
Evaristo Câmara Machado Netto é presidente da Organização das Cooperativas do Estado de S. Paulo (Ocesp) e vice-presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag).