Ao invés de simplesmente pedir o envolvimento dos motoristas na mobilização “Dia sem Carro”, as autoridades públicas deveriam ter a coragem de assumir dois desafios que vêm sendo encarados com desprezo pela grande maioria dos governantes. Se fossem assumidos com seriedade, estes desafios teriam impacto muito maior em defesa da preservação do meio ambiente que o factóide “cosmético-ecológico” promovido ontem em 50 cidades brasileiras.
O primeiro deles é óbvio: os governantes deveriam desenvolver uma ampla campanha de educação no trânsito, começando pelas escolas do ensino fundamental. Isto evitaria as absurdas estatísticas de acidentes tanto nas rodovias como nas cidades, 30 mil vítimas por ano, no Brasil. Ao mesmo tempo, ampliaria significativamente a prática de um uso mais ecológico dos veículos e levaria as pessoas a dirigir de forma mais eficiente e racional.
O segundo desafio é bem mais grave: as autoridades públicas têm a obrigação de exigir dos fabricantes a produção de veículos não poluentes. A exigência se torna maior no caso de Curitiba, cidade que os marqueteiros se encarregaram de tornar conhecida com o discutível título de “capital ecológica”. O mesmo vale para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que inclusive nomeou a ativista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente.
Isso poderia ser feito concedendo-se, por exemplo, incentivos fiscais e abrindo linhas de financiamento às empresas que desenvolvem projetos com esse objetivo. Os carros movidos à água e a ar já são uma realidade. Basta que as empresas interessadas em desenvolver os projetos recebam o apoio necessário. A tecnologia do carro movido à água, por exemplo, existe desde 1903. O protótipo, denominado Charter, trafegou pelas estradas dos Estados Unidos com êxito para os padrões da época.
A empresa francesa MDI (Motor Development International) lançou no ano passado em São Paulo o projeto da primeira fábrica de carros movidos a ar comprimido da América Latina. Além de o veículo não ser poluente, o projetista e empresário Guy Nègre desenvolveu um motor com preço incomparavelmente menor que os dos combustíveis fósseis: entre R$ 3,00 e R$ 4,00 por 200/300km percorridos (o equivalente a R$ 0,01 e R$ 0,02 centavos por quilômetro).
A fábrica brasileira Gurgel é outro exemplo de empresa que chegou a desenvolver projetos de produção de um veículo barato e não poluente, o carro elétrico. Se a iniciativa não deu certo por razões mercadológicas ou técnicas, caberia ao Estado pelo menos criar mecanismos destinados a gerar uma concorrência saudável nesse terreno. Infelizmente, não é o que está ocorrendo. Ao invés de estimular projetos como estes, os governos, de olho na receita gerada pelo ICMS e pelo IPI, fazem vistas grossas aos níveis absurdos de poluição dos veículos tradicionais.
Se práticas como as apontadas acima fossem adotadas, dariam uma contribuição muito mais importante para o Brasil atingir um alto nível de respeito ao meio ambiente do que a mobilização de ontem. As prefeituras e o governo federal poderiam fazer muito mais pelo meio-ambiente do que deflagrar uma campanha como esta. Bastaria ter sensibilidade e vontade política. É o que esperamos que aconteça.
Aurélio Munhoz (politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.