Comentamos, dias atrás, que apesar do comportamento benevolente e corporativo do Congresso Nacional, absolvendo a quase totalidade dos parlamentares que estiveram envolvidos com o mensalão, ainda restava esperança de que os culpados fossem punidos. A Polícia Federal indiciara muitos dos absolvidos pelo plenário e passaria a depender, no caso daqueles que são detentores de novos mandatos, de licença do Supremo Tribunal Federal (STF). São negocistas de status elevado. Têm foro privilegiado.
Pois acaba de acontecer o inimaginado neste País em que político processado, condenado e preso nunca aconteceu. Dois anos depois do escândalo do mensalão vir à tona, o STF abriu a primeira ação penal contra onze envolvidos no esquema, dentre eles o deputado José Genoino (PT-SP), o ex-dirigente petista Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério Souza. A denúncia também atinge quatro dirigentes do Banco de Minas Gerais e Renilda de Souza, mulher de Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino. Embora de deputados só se tenha como indiciado José Genoino, há possibilidade de que outros venham a ser incluídos.
O mensalão, como se tornou conhecida a grossa propina criada na primeira gestão Lula para levar às hostes do situacionismo ou a apoiá-las vários parlamentares, de forma a suprir a fragilidade da bancada governista minoritária, foi um processo espúrio de levantamento de dinheiro em que foi utilizada a força do poder público, se não até dinheiro do erário ou de entidades dele dependentes por contratos de prestação de serviços e fornecimentos. Uma versão ampliada do mensalão também funcionou em relação aos partidos. Legendas receberam dinheiro para apoiar o governo ou mesmo para pagar despesas de campanha. Uns poucos parlamentares se assustaram e renunciaram aos seus mandatos tão logo condenados na Comissão de Ética da Câmara, mas antes do julgamento final pelo plenário. Destarte, escaparam à inelegibilidade por oito anos que resultaria de uma condenação pelo plenário. Candidataram-se de novo e a maioria conseguiu eleger-se. Foram brindados pelo habeas corpus do voto popular equivocado.
Outros preferiram submeter-se ao julgamento final do plenário e foram absolvidos. Até festivamente, pois quem não se recorda do samba comemorativo dançado por uma deputada em plenário, brindando a absolvição de um colega, o que lhe valeu uma censura. Ela acabou não se reelegendo.
O processo iniciado no Supremo resulta de denúncias da Procuradoria Geral da União de um processo que corria em Minas Gerais e outros poderão juntar-se a ele, com possibilidade de que, afinal, a grande maioria dos envolvidos seja julgada na suprema corte. Escapa, de alguma forma, a cúpula dos corruptores. O processo no Supremo é apenas um início, nada indicando que ocorrerão efetivas condenações. Mas moveu-se o foro privilegiado e instilou nos que desejam a higienização dos meios políticos brasileiros uma semente de esperança de que as coisas possam mudar. Não já, mas certamente algum dia.