Aids na terceira idade

A estatística surpreende: 2% dos brasileiros acima de 60 anos são portadores do vírus da aids, segundo apuração do Ministério da Saúde. Isto significa que mais de cinco mil idosos têm a doença. Porém, tais cifras podem ser bastante superiores levando-se em conta que ainda existe um “não-diagnóstico” nesse grupo etário.

Esse aumento, não resta dúvida, é decorrente de os idosos atingirem idades avançadas com boas condições físicas, que os permitem continuar suas atividades físicas, nas quais as sexuais estão contidas; relações, estas, facilitadas pelo grande arsenal terapêutico para distúrbios eréteis. Outro aspecto importante para o aumento das estatísticas deve-se ao fato da não-inclusão dos idosos em campanhas de prevenção da aids, fazendo-os crer estarem isentos do risco de contaminação. Fala-se muito em gripe, mas esquecem o aumento considerável de idosos com aids.

Aids na terceira idade assumiu comportamento de doença crônica e as possibilidades de tratamento ampliaram-se ao longo dos anos, permitindo aos pacientes um aumento de sobrevida. Mas, paralelo ao envelhecimento dos pacientes contaminados, houve aumento da expectativa de vida da população geral, e que lhe permitiu continuar as relações sociais, e é claro, as sexuais como conseqüência.

A infecção pelo HIV nessa faixa etária relaciona-se, na maioria dos casos, à contaminação sexual, sendo as heterossexuais as mais freqüentes. Por isso, torna-se primordial que nós, médicos, ao prestar atendimento a um paciente estejamos conscientes da necessidade de alertá-lo sobre a necessidade e importância do uso do preservativo nas relações sexuais não conjugais.

O crescente número de notificações de aids entre os idosos também é contemplado pela falta de campanhas publicitárias de orientação e prevenção da aids, que têm sempre como foco o jovem, a gestante, o dependente químico. Esqueceram-se dos idosos e então ele não se identifica como um doente em potencial. Há ainda o fator cultural, que é muito forte. O homem acima dos 60 anos tem mais dificuldade de aceitar o preservativo, pela falta de costume ou por acreditar que se trata de artefato voltado para prevenção de gravidez e não de doenças sexualmente transmissíveis. Acrescenta-se, ainda, inabilidade para a colocação e o uso da camisinha por parte dos idosos e o medo de perder ereções efetivas.

Essas questões fazem com que ele se abstenha de usar o preservativo nas suas relações não conjugais, ficando exposto à aquisição do HIV, aumentando, conseqüentemente, as estatísticas dessa população. É importante lembrar que não só a conscientização da população é importante, mas também da comunidade médica, já que algumas doenças, como pneumonias graves ou quadros demenciais, podem estar relacionados com a aids e não obrigatoriamente com o envelhecimento, tornando-se fundamental a realização de testes em pacientes idosos com essas condições clínicas.

Um outro grande desafio é enfrentar o estigma psicossocial da moralidade e da conduta. Essa discussão quase sempre leva a aspectos que colocam o paciente, já fragilizado pela própria doença, como responsável e merecedor desse dissabor. O doente de câncer é merecedor de acolhida e amparo pelos familiares, diferentemente do idoso contaminado pelo vírus HIV, que devido ao preconceito sobre suas condutas é, por muitas vezes, abandonado. É preciso reverter também esse quadro.

A verdade é uma só: os números vêm aumentando ao longo dos anos na terceira idade, provavelmente porque esse grupo nunca esteve envolvido em campanhas de prevenção. E é justamente por isso que o idoso considera-se totalmente fora do foco da doença, do risco de exposição à aids.

Jean Carlo Gorinchteyn é médico infectologista, com mestrado em doenças infecciosas e especialista em aids na terceira idade.

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