Ai: herói necessário

Diante da proximidade do dia dos pais nos fazemos a seguinte pergunta: como vão os pais? Qual o lugar que ocupam essas figuras masculinas na nossa cultura hoje? Se pensarmos nos pais dos nossos pais ficava mais óbvio associar o homem à idéia de autoridade, de respeito e, muitas vezes, temor. A palavra do pai era vista como a lei dentro da família. A mãe dando jeitinhos “femininos” para driblar o poder paterno. E atualmente? Essa idéia de austeridade paterna está cada vez mais diluída na troca de papéis entre homem e mulher.

A função paterna que põe ordem, dita regras e cobra obediência ou a função materna que acolhe, lida com os afetos e é mais permissiva, não estão mais diretamente associados ao homem e a mulher, necessariamente. Mesmo por que os casais nem sempre são duplas heterossexuais e, no entanto, essas funções podem muito bem estar presentes na educação dos filhos. Repetindo: casais que criam e educam filhos, ou mesmo, pessoas que estão sozinhas nessa tarefa, de ambos os sexos, podem exercer as duas funções: de acolher e de disciplinar. Se dizíamos que a mãe é quem acolhe, é porque todo o aspecto da maternidade (gestação, parto e puerpério) é eminentemente feminino e a fase posterior, onde a criança se volta para o mundo externo, depende de separar-se da mãe e tende a ser exercida pelo pai. Longe deste primeiríssimo momento da maternagem, os papéis começam a se tornar mais complexo e cambiáveis.

A transformação da mulher, suas conquistas sociais e, por outro lado, a possibilidade do homem lidar com seus afetos antes negados, trouxe muitas mudanças. Vivemos ainda uma fase de grande instabilidade na aquisição desses novos papéis. Homens e mulheres, ou casais de todos os matizes, ainda não parecem ter chegado a um acordo satisfatório. Há muitos desencontros e ressentimentos. E como ficam nossos filhos diante desse tiroteio? Como lidam com a visão, nem sempre positiva, que os pais têm uns dos outros?

Chegamos no ponto que gostaria de ressaltar. Muitas mães, insatisfeitas com os pais de seus filhos, acabam lidando de forma ambígua com a figura do pai — é claro que isso é uma rua de mão dupla, mas digamos que me proponho a olhar hoje para o pai. Deixam transparecer que não respeitam, não admiram e não dão valor para o homem e para o pai de seus filhos. O que conseguem com isso?

Se a intenção é alertá-los “para que não sofram mais tarde a decepção de perceber os pais que têm”, não vai dar certo. O olhar dos filhos para os pais é diferente do olhar do cônjuge ou parceiro. O filho veio desse pai e se ele não é considerado honrado pela mãe, os filhos, como seus produtos, também não o são. Não dá para falar mal de algo que nos diz respeito sem nos ofender.

Se os “homens são todos iguais”, o que serão nossos filhos homens e a quem almejarão nossas filhas? Se tirarmos o valor do pai, tiramos valor de sua descendência também.

Talvez alguns pais tenham errado sensivelmente, cometido um crime hediondo e estejam passando o Dia dos Pais na cadeia, talvez magoaram e feriram seus filhos, mas em algo seu valor deve ser reconhecido: são deles a origem da vida desses filhos, junto a suas mães. Não falo isso para alegar inocência, mas para dar uma segunda chance aos filhos de se considerarem dignos.

Algum heroísmo nos pais é sempre necessário. Feliz Dia dos Pais.

Vera Iaconelli

é mestre em psicologia pela USP, psicoterapeuta corporal biodinâmica de adultos e crianças e professora do curso de formação em psicologia biodinâmica do IBPB – Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica.

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