Um administrador sensato, sem soberba, disposto a negociar e a concretizar um pacto social. E que o PT não se deixe dominar pela arrogância. Estes são conselhos que partem de velhos companheiros sindicalistas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Lula deve primeiro abrir empregos, depois olhar para os aposentados, palpita um deles. Aliás, palpites chegam de todos os lados, inclusive do exterior ? tamanho é o interesse despertado pelos destinos do Brasil também no resto do mundo.
Ao obter a maior vitória eleitoral desde a sua fundação, há mais de vinte anos, o Partido dos Trabalhadores está agora diante de um ingente desafio: fazer do discurso que repetiu (às vezes de forma desconexa) durante todo esse tempo uma realidade. As cinco pontas da estrela petista passaram, é verdade, por inúmeras transformações, sendo a mais notável delas a moderação verificada nesta campanha bem-sucedida, que fez Lula maior que a própria legenda que ajudou a fundar. Esta, na verdade, perdeu o mando em importantes posições que já conquistara, mas, com o comando supremo nas mãos, tem agora uma oportunidade singular para as realizações prometidas.
Nos gabinetes da transição, uma equipe enxuta toma pé da realidade, que serviu de saco de pancadas até aqui, mas que agora não pode ser desprezada nem modificada, como às vezes o discurso fez supor: num passe de mágica. Parece que o Lulinha paz e amor da campanha tem consciência disso e em seu primeiro pronunciamento, com as urnas ainda sendo totalizadas, fez à sua moda uma convocação para o grande mutirão de mudar o Brasil em paz.
Para que isso aconteça, os maiores problemas poderão estar não na oposição natural que anunciam os derrotados, mas nas fileiras de antigos aliados do próprio partido, como o MST e o grupo minoritário petista que, aninhado mais à esquerda, prometeu ação logo após o veredicto das urnas. Some-se a estes, além dos aliados de última hora (dos quais são exemplos José Sarney e Antônio Carlos Magalhães) também algumas corporações muito bem organizadas que se valeram do PT (que apoiaram nesta eleição) para frustrar reformas importantes, como a da Previdência Social ? reprometida por Lula em seu último debate antes das eleições. Sem reforma adequada, a Previdência continuará a ser o calcanhar-de-aquiles de qualquer governo.
A esperança venceu o medo, observou um sorridente Lula na noite de seu aniversário e de sua consagração eleitoral. O Brasil votou sem medo de ser feliz, repetiu triunfante para a imprensa nacional e estrangeira. Mas o caminho da felicidade, para muitos de seus milhares de eleitores, está na meta batida e rebatida de criar dez milhões de empregos. Para outros, na retomada do crescimento. Outros, ainda, no combate ao crime organizado que espalha o terror dentro e fora de casa. Coisas que requerem, naturalmente, mais que a simples vontade política ou a troca das bandeiras vermelhas por aquela de todos os 175 milhões de brasileiros – nas cores verde, amarelo, azul e branco. A reforma da legislação trabalhista, assim como a tributária, é imposição natural que esbarra, entretanto, em poderosos interesses muito bem conhecidos do antigo líder sindical. Coisas mais simples, como a definição do novo salário mínimo, também enfrentam contradições que a realidade interpõe ao discurso. Este, para ser verdade, exigirá trabalho, muito trabalho, além de uma boa dose de sorte, de sensatez e ? como aconselham velhos companheiros ? de humildade. Humildade e muito, muito trabalho. Que Deus ilumine e dê forças ao futuro chefe da nação!