Constitui lugar-comum afirmar que pessoas passem a maior parte do seu tempo trabalhando – mais até do que no convívio familiar – sendo, por esta razão, aconselhável preservar bons relacionamentos com colegas de empresa.
Uma pesquisa realizada pela sexóloga americana Shere Hite (Sexo e Negócios, Bertrand Brasil) com 790 profissionais americanos e europeus revelou que sete em cada dez homens e seis em cada dez mulheres já tiveram algum envolvimento sexual na empresa.
É bem possível que esse fenômeno se repita no Brasil porque é crescente a participação da mulher no mercado de trabalho Hoje já alcança 40% da mão-de-obra ativa e, por outro lado, 67% da população feminina entre 20 e 29 anos é solteira.
No mundo dos relacionamentos amorosos, enquanto tudo é consensual e natural, nenhum problema. Ameaçada ou ferida a liberdade de escolha sexual, o assunto ultrapassa a seara sociológica e invade a jurídica.
O assédio sexual, segundo Ernesto Lippman (Assédio Sexual nas Relações de Trabalho, LTr, São Paulo, 2001) é o “pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda do emprego, ou de benefícios”.
O flerte ou a popular “cantada” não configuram assédio sexual, havendo decisões da Justiça do Trabalho até mesmo no sentido de que “frase grosseira do superior hierárquico, com conotação sexual, não configura hipótese de assédio” (TRT 2.ª região, Ac. 029800738984, julg. 11.2.1998, publ. em 27.2.1998).
Em doutrina de Direto do Trabalho também não há mais controvérsia quanto a isto. Dárcio Guimarães de Andrade (“Assédio Sexual no Trabalho”, in RJTE 172/35) diferencia “a simples intenção sexual, o intuito de sedução do companheiro de trabalho, superior, ou inferior hierárquico, não constitui assédio. É o caso de um inofensivo galanteio, de um elogio, ou mesmo namoro entre colegas de serviço, desde que não haja utilização do posto ocupado, como instrumento de facilitação” (…). “Necessária será a intenção de traficar, de valer-se do posto funcional como um atrativo, ou como instrumento de extorsão de privilégio, ou de vantagens indevidas”, concorda Luiz Carlos Amorim Robortella (“Assédio Sexual e Dano Moral nas Relações de Trabalho”, III Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho, IBCB, 1997, p. 158).
Tem-se sustentado, para que o patrão possa ser responsabilizado por assédio de seus prepostos, que o trabalhador vitimado, para ter direito a indenização por danos morais, deve provar essencialmente três fatos: (a) a ocorrência de autêntico assédio sexual; (b) a ciência da empresa desse assédio; e (c) que nada tenha sido feito para preveni-lo e, principalmente, coibi-lo.
A prova de assédio, é bem de ver, afigura-se muito difícil. O suposto agressor geralmente age sorrateiramente, sem deixar rastros ou pistas, para que a vítima não tenha como desmascará-lo.
Essa natural dificuldade de demonstrar a existência do assédio, todavia, não pode redundar na condenação sem provas irrefutáveis, até porque o sistema jurídico preserva a personalidade de todas as pessoas, inclusive daquelas eventualmente acusadas de assédio. E acusações graves que tais, certamente só poderiam redundar em conseqüências jurídicas se não houvesse a menor dúvida da existência de perseguição sexual. Defender o contrário abriria um perigoso precedente, colocando em risco a imagem e a honra de qualquer pessoa que tivesse a infelicidade de ser acusada de assédio, o que, é preciso ter sempre presente, pode ocorrer até mesmo levianamente, como maneira de aniquilar o bom nome de alguém.
Mais difícil é, sem dúvida, reunir provas de assédio enquanto a vítima ainda trabalha com o assediador. Não raras vezes, portanto, mesmo denunciado o assédio ao patrão, este não consegue reunir provas suficientes para punir o suspeito. Pode, se muito, tomar medidas preventivas, como por exemplo determinar que os protagonistas não trabalhem juntos dali para adiante, mas é só. Aplicar punição disciplinar sem base segura, pode tornar o suposto assediador titular de indenização, também, por danos morais!
Em que pese a inegável morosidade judiciária, somos da opinião de que o dever de punir o assediador não desaparece só porque, à época em que o assédio tenha ocorrido, a vítima, ainda empregada da empresa, só tenha conseguido comprová-lo judicialmente. Longe de suas garras, é bem possível que a vítima consiga provas de que não dispunha antes, como testemunhas que também já estejam a salvo da influência perversa do assediador.
Assim, mesmo tendo o empregador apurado os fatos no momento em que aconteceram, em plena vigência do contrato de trabalho da suposta vítima, e não encontrado provas suficientes para punir o agressor, deverá puni-lo ulteriormente se, em processo judicial restar provada a sua culpa, salvo, é claro, se o contrato de trabalho do assediador já tiver sido extinto por qualquer outro motivo, constituindo-se em ato jurídico perfeito protegido constitucionalmente (art. 5.º., XXXVI).
Mantido o assediador nos quadros da empresa sem qualquer punição, o patrão poderá ser responsabilizado caso o mesmo assediador faça novas vítimas posteriormente.
Dever de punir que só se tornará exigível no momento em que transitar em julgado decisão que reconheça a existência e autoria do assédio, já que sempre uma primeira decisão judicial condenatória poderia ser reformada em grau de recurso.
Mário Gonçalves Júnior
é pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho.