Adin e Decreto Legislativo contra portaria do registro sindical

Em nosso artigo sobre “Registro Sindical: Imperfeições e ilegalidades comprometem a Portaria 186/08” (Direito e Justiça, 27/4/2008) dissecamos a portaria ministerial, assinalando “algumas falhas, imperfeições e ilegalidades na Portaria que a comprometem parcialmente e indicam a necessidade de sua imediata revisão”. A Portaria n.º 186, de 10/4/2008, publicada em 14/4/2008 (DOU. Seção I), do ministro Carlos Lupi, do Trabalho e Emprego, fixou normas sobre os pedidos de registro sindical e alteração estatutária, revogando a Portaria n.º 343, de 4/5/2000, com as alterações posteriores pelas Portarias 375, 376,144 e 200. São 34 artigos aplicados a todos os processos em curso naquele Ministério.

A Portaria Ministerial vem lastreada na Constituição Federal (art.87, parág. único, inciso II) e no Título V da CLT, além de referir-se, expressamente, à Súmula 677 do Supremo Tribunal Federal: “Até que lei venha a dispor a respeito, cabe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”. O projeto de Decreto Legislativo n.º 857/2008, do deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/SP), susta os efeitos da Portaria 186/08. Em reunião realizada a 5 de setembro em Curitiba, com a presença de dirigentes sindicais nacionais e estaduais, as entidades sindicais do Fórum Sindical dos Trabalhadores decidiram articular ação conjunta visando a rápida aprovação da proposição, além de solicitar ao senador Paulo Paim (PT/RS) que apresente igual medida. Em 18 de agosto, onze Confederações Sindicais de Trabalhadores ingressaram no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a referida Portaria, assim como as confederações patronais. Presente no encontro sindical o dr. Hélio Stefani Gherardi, advogado do corpo técnico do Diap, que abordou aspectos da n.º 186/08, salientando “em relação às entidades de grau superior, a possibilidade do pluralismo sindical, embasada, evidentemente na Lei n.º 11.648, de 31 de março de 2008, que reconheceu formalmente as Centrais Sindicais”. Na mesma reunião, que contou com a presença de mais de duzentos líderes sindicais, foi aprovado apoio total aos processos que tramitam no Tribunal Superior do Trabalho e no Supremo Tribunal Federal referentes à revogação do Precedente Normativo n.º 119 do TST e da Súmula 666 do STF, assim como a elaboração de projeto alternativo sobre a contribuição negocial para se contrapor ao anteprojeto apresentado pelo governo, podendo ser utilizado como subsídio os argumentos do PL n.º 4554/2004 do ex-deputado federal Sérgio Miranda.

Ações no STF

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4126) contra a Portaria n.º 186 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que normatiza o registro sindical e as alterações estatutárias dos sindicatos. Segundo as duas entidades, a Portaria alterou a estrutura jurídica da organização sindical brasileira infringindo cinco artigos da Constituição Federal. Entre os princípios feridos estariam: da organização sindical, da unicidade sindical, do sistema confederativo de representação sindical e por categoria, da legalidade e da separação dos poderes. No texto da ADI 4126, a CNI reclama que deixará de representar a indústria brasileira no âmbito nacional para representar apenas as suas filiadas, já que a Portaria admite a existência de mais de uma confederação para o mesmo segmento. A confederação alerta para a possibilidade de pulverização sindical no segundo grau, de federações. Cresce quase a números incontáveis considerando que são constituídas por cinco sindicatos e que estes podem ter por base apenas um município, sendo que os estados têm centenas de municípios, adverte a CNI. As confederações defendem na ADI a permanência do modelo de sindicalização brasileiro definido pela Constituição. Suas disposições não podem ser flexibilizadas por outras normas, pois essas só devem ser elaboradas para traduzir ou explicitar os comandos, diz o texto, que tem pedido de liminar para suspender incisos de três artigos da Portaria n.º 186. O relator da matéria será o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, também responsável pela relatoria da ADI 4120, a ação de conteúdo semelhante ajuizada pelas onze confederações de trabalhadores. Essa ação já tem previsão de rito abreviado e aguarda informações pedidas por Menezes Direito ao MTE. As entidades argumentam que o ministro do Trabalho extrapolou sua atribuição uma vez que a Portaria editada teria características de lei. Os autores argumentam que o ministério criou uma nova lei e por isso usurpou a competência do Congresso Nacional de legislar. Avaliam, dentro das atribuições dos ministros do Executivo, que foi extrapolada a competência de expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos, prevista no artigo 87 da Constituição (Fonte: Jus Brasil) Feeb/PR).

Dissidio coletivo e comum acordo

No debate sobre a necessidade do comum acordo entre sindicato dos empregados e sindicato dos empregadores/empresa para julgamento do mérito do dissídio coletivo de trabalho, vem a jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho fixando a possibilidade da decisão das cláusulas independentemente da concordância patronal. Eis um dos acórdãos nesta linha decisória do TRT4:
“4. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ARTIGO 114, § 2.º, DA CONSTITUIÇÃO. Sustentam os suscitados que a ausência de comum acordo para o ajuizamento do presente dissídio coletivo fere o disposto no art. 114, § 2.º, da Constituição Federal e, por isso, resta inviabilizado o seu prosseguimento. Esta Seção de Dissídios Coletivos já firmou entendimento sobre a questão, traduzidos nos fundamentos exarados no Acórdão TRT4 n.º 03315-2006-000-04-00-7, de lavra do Juiz Mário Chaves, publicado em 25/5/2007, que se adotam como razões de decidir:
Com a publicação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, ganhou esta redação o parágrafo segundo do art. 114 da Constituição Federal: ‘Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente’ (grifou-se). Tal novidade deu origem à polêmica nacional em torno da expressão ‘de comum acordo’.

Ao acrescentar referida expressão ao citado dispositivo constitucional, o legislador constituinte derivado deu margem a manifestações doutrinárias no sentido de que estaria extinto o poder normativo da Justiça do Trabalho, uma vez que só em caso de ‘consenso’ entre as partes poder-se-ia dirimir o conflito.

Embora as motivações do legislador operem de forma indireta na interpretação da Lei, é de sinalar-se que a alteração constitucional procedida fazia parte da chamada ‘Reforma Sindical’, não levada a termo em sua integralidade pelo Congresso Nacional. Como conseqüência rompeu-se a unidade do sistema projetado, restando aprovada, nesse ínterim, a nova redação do art. 114, § 2.º da CF. Vale dizer, contudo, que a ‘mens legis’ não foi alterada: valorizou-se o procedimento da negociação coletiva, bem como o fortalecimento da atividade sindical autônoma.

Em que pesem afirmações de que a mencionada alteração feriria cláusula pétrea, referindo-se ao art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal (‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’), a interpretação deve ser diversa, distanciada da inconstitucionalidade, de que muitos cogitam. É possível a inclusão de pré-requisitos para o exercício do direito de ação, sem ferir-se o direito de acesso ao judiciário. Neste sentido, a exigência do comum acordo entre as partes para a interposição de dissídio coletivo, nos casos em que umas delas recusa a solução pela via da negociação ou da arbitragem. Essa recusa, contudo, não pode ser interpretada de forma a impedir, comodamente, a continuidade das negociações coletivas, pois se assim fosse a finalidade da alteração legislativa estaria sepultada: a rejeição à negociação resultaria no impedimento completo de acesso ao poder judiciário, impondo a vontade do mais valente, pela via da intransigência.

Para melhor compreensão dos efeitos da alteração efetivada, procede-se à seguinte análise comparativa: pelo sistema anterior, havendo recusa à negociação as partes estavam autorizadas a ajuizar ação de dissídio coletivo, bastando demonstrar a sua intenção em promover negociações; com a reforma efetuada alterou-se o ponto sensível do sistema, e ao invés de ser autorizado o ajuizamento do dissídio coletivo em havendo recusa à negociação, proibiu-se tal direito se inexistente comum acordo entre as partes. Assim, até a promulgação da E. C. n.º 45/04 tinha-se como necessária a efetiva demonstração de recusa à negociação para acatar-se a ação de dissídio coletivo; agora, além disso, deve ser demonstrada a existência de comum acordo entre as partes.

Conclui-se, portanto, ter sido limitado o direito de ação da parte que viu frustrada a negociação coletiva pelo direito de recusa à instauração do dissídio coletivo pela parte adversa, expressado pela vedação ao ajuizamento se inexistir o comum acordo. Por certo a inovação procedida valorizou a atividade sindical e as negociações coletivas em detrimento do direito de ação, criando o direito de recusa à negociação, à arbitragem e à decisão judicial. O seu exercício, contudo, não pode mostrar-se abusivo, sob pena de inviabilizar por completo o sistema de negociação coletiva. É o ponto médio entre o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição e o Princípio Dispositivo, pela incidência dos Princípios da Razoabilidade e da Vedação ao Excesso, de todo aplicáveis ao Processo Coletivo do Trabalho.

Entende-se, assim, ter sido trazida para o âmbito do dissídio coletivo a ponderação sobre a razoabilidade dos procedimentos negociais e da viabilidade das propostas apresentadas. A vedação constitucional ao exercício do direito de ação refere-se, portanto, aos casos em que há possibilidade razoável de autocomposição das partes. Sendo inviabilizada a composição, seja pela negativa completa à negociação, como pela apresentação de propostas inviáveis ou inalteráveis, autorizado está o poder judiciário a sobrepor-se, pela forma do suprimento, à vontade da parte que, sem justificativa plausível, discorda do ajuizamento da ação.

A solução proposta assemelha-se, em parte, àquela dada aos casos de jurisdição voluntária: havendo negativa injustificada da parte, pode o poder judiciário suprir a manifestação da vontade, resguardando o direito à justiça e à razoabilidade dos atos jurídicos, bem como vedando-se os excessos no exercício dos direitos. Pelo novo sistema, constrói-se a seguinte ordem de situações e soluções possíveis para a ação de dissídio coletivo: a) as partes mantém-se em negociação: inviável o julgamento do dissídio coletivo, por falta de amparo legal; b) as partes, vendo frustrada a negociação, optam pela solução arbitral: inviável o julgamento, pois afastada pelas próprias partes a solução judicial; c) as partes, em havendo recusa à solução arbitral e à continuidade das negociações, propõem a ação de dissídio coletivo de comum acordo: situação ideal para a solução judicial; d) uma das partes recusa-se em negociar e não há opção comum pela via arbitral: ou resta inviabilizado o direito de acesso ao judiciário, ou examina-se a validade e eficácia da manifestação de recusa ao ajuizamento da ação.

Ora, o estimulo à negociação é o norte para a melhor interpretação da nova norma. Sendo assim, deve haver negociação efetiva e razoável entre as partes, para que seja possível a rejeição da solução judicial do litígio. O sentido da expressão ‘de comum acordo’ não é meramente processual, mas também material; exige-se como conteúdo ético do sistema legal engendrado a sadia disposição de negociar, ouvindo e propondo formas, aventando e examinando direitos. Havendo rejeição total à negociação, contudo, haveria a impossibilidade completa do exercício do direito, e não mero descumprimento ao novel requisito constitucional. A recusa à negociação, portanto, precisa ser justificada, constituindo-se em conduta abusiva o encerramento injustificado das tratativas negociais.

O sistema não se compatibiliza com a idéia de impossibilidade negocial e, em seguida, judicial, impondo o dever de aceitar a segunda se não vingar a primeira. O ‘comum acordo’ é fase do processo de negociação e dela devem as partes cogitar se o acerto consertado mostrar-se impossível. Não há falar-se, tampouco, em inexistência de direito material por tratar-se de procedimento visando a constituição de novos direitos. O ‘caput’ do art. 7.º da CF é claro ao deixar em aberto a possibilidade de criação de direitos em benefício da condição social dos trabalhadores. Também neste sentido o art. 114, IX, ao atribuir competência à Justiça do Trabalho para solucionar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. A nova competência jurisdicional trabalhista recepcionou a legislação infraconstitucional aplicável aos dissídios coletivos. Manteve-se, embora com a amplitude de incidência condicionada, o poder normativo da Justiça do Trabalho. Pela lógica apresentada, todavia, altera-se o ônus da prova em relação ao procedimento negocial: ao suscitante cabe demonstrar a recusa à negociação e a sua vontade de ver solucionada por via judicial o litígio, bem como apresentar justificativa para o ajuizamento à revelia do suscitado; a este, em contrapartida, cabe provar ter sido justificada a recusa à solução judicial, sob pena de ver suprida a sua vontade pela decisão judicial. No caso, embora o suscitado remanescente discorde do ajuizamento da ação (fl. 83), não comprova a continuidade das tratativas negociais, limitando-se a argüir a extinção do feito sem julgamento do mérito. Desta forma, não restando comprovada a efetiva continuidade da negociação, impõe-se a rejeição da prefacial. Pelas supracitadas razões, rejeita-se a preliminar”. (TRT 4.ª Região DC 01072 2006 000 04 00 6 em 12/11/2007 Cleusa Regina Halfen, Juíza Relatora)

Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT/PR). edesiopassos@terra.com.br.

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