Acusado de mandar matar a missionária Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, negou qualquer participação no crime afirmando que não tramou ou determinou que a religiosa fosse morta pelo pistoleiro Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, condenado a 27 anos de prisão e que estava presente ao julgamento como sua testemunha de defesa. Negou ainda relação com o intermediário do crime, Amair Feijoli da Cunha, o Tato, condenado no ano passado a 18 anos, mas que teve a pena reduzida por colaborar com a justiça, beneficiando-se da delação premiada. A sentença de Moura deve ser anunciada provavelmente amanhã.
Sales, durante seu depoimento, isentou o réu de qualquer envolvimento na morte, dizendo que embora tivesse se escondido na propriedade de Moura e dele tenha recebido comida, juntamente com o outro acusado, Clodoaldo Batista, nunca tratou do assassinato. "Matei porque me senti ameaçado pela freira. O Bida (Moura) não tem nada com isso", resumiu. A promotoria disse que, pela oitava vez, Sales contava uma nova versão do crime.
Moura declarou ao juiz Raimundo Moisés Alves Flexa, que o interrogou durante duas horas, ter comprado uma fazenda de Cunha em Anapu, embora "não tivesse nenhuma amizade com ele". Ele afirmou em seguida que não estava foragido, mas que temia pela sua vida. "Foi por isso que me entreguei", salientou o réu, acrescentando que nunca elaborou qualquer plano de fuga do Pará ou do País. Os advogados Américo Leal e Eduardo Imbiriba, defensores de Moura, disseram não existir provas suficientes para condená-lo.
Para eles, o réu não tinha interesse em matar a missionária, apesar de Stang "incentivar a prática de crimes" na região. E citam como exemplo o fato de pouco antes do crime ter sido protocolada uma ação do Ministério Público de Altamira contra a vítima por porte ilegal de armas, formação de quadrilha e outros crimes. A acusação contra Moura feita na polícia pelos acusados Rayfran Neves e Clodoaldo Batista, garantem os advogados, teria sido obtida por "meios ilegais".
O promotor Edson Cardoso, responsável pela acusação, disse que a versão de Moura era muito frágil e não se sustentava "nem por um minuto de análise". "A verdade está começando a surgir aos poucos. No primeiro momento, os executores não apareceram, mas quando eles se viram sozinhos, apareceram e começaram a contar o que sabiam", resumiu Cardoso. E completou, anunciando que pediria a pena máxima de 30 anos de prisão para o fazendeiro.
Além do depoimento do acusado e das perguntas a ele feitas pela acusação e defesa, o primeiro dia do julgamento serviu também para apresentação, pela promotoria, de um vídeo com a reconstituição do crime, feito pelo Centro de Perícias Renato Chaves. A defesa apresentou fotos de manifestações contra a missionária em Altamira. O protesto foi realizado um ano antes do assassinato e foi comandado da tribuna da Câmara Municipal por vereadores que chegaram a chamar a freira de "satanás da Transamazônica".
Três testemunhas da acusação foram ouvidas por Flexa. A primeira foi o delegado da Polícia Federal Ualame Machado, que participou das investigações. Perguntado pela defesa sobre a existência de um suposto consórcio de fazendeiros para o financiamento do assassinato da missionária, Machado disse que nada ficou provado durante as investigações. O delegado confirmou as declarações de Amair Feijoli, o Tato, sobre o envolvimento do fazendeiro no assassinato.
O delegado Valdir Freire, que à época do crime dirigia a Divisão de Investigações e Operações Policiais (Dioe), também interrrogado, confirmou a declaração de Machado, afirmando que a Polícia Civil não confirmou a associação de fazendeiros da região para matar a freira. "Quem falou em consórcio foi a imprensa", explicou Freire.
A missionária norte-americana Roberta Lee, que trabalhou com Stang em comunidades de agricultores no interior do Maranhão e no sudeste do Pará, informou que conhecia a vítima desde 1966. "O trabalho dela sempre foi em favor dos menos favorecidos", disse, ressaltando que a preocupação da freira era com o desenvolvimento sustentável da Amazônia para que a floresta, em pé, produzisse emprego e renda para agricultores e ribeirinhos.
Lee negou que Stang distribuísse armas para os colonos do PDS de Anapu. "O que ela distribuía eram cestas básicas, fornecidas pelo Incra". Também afirmou que a vítima recebia muitas ameaças e que esteve diversas vezes em Belém para denunciá-las, embora recusasse proteção policial, dizendo que a aceitaria se ela fosse extensiva a todos os colonos do PDS.
Durante os depoimentos, do lado de fora do Salão do Júri ocorriam manifestações de 600 trabalhadores rurais, vindos de vários municípios do interior do Pará. Acampados na frente do prédio, eles oravam e pediam a condenação do acusado.