Açúcar some das prateleiras na Venezuela

O assunto das famílias da Venezuela não é o socialismo do século 21 do presidente Hugo Chávez nem o fechamento da RCTV. O problema é a falta de açúcar, que sumiu de supermercados e pequenos armazéns. Uma dona de casa em Petare, região pobre de Caracas onde Chávez teve uma grande votação disse que ?não vejo açúcar faz tempo?. ?Quando encontro, é daquele mais escuro, que ninguém gosta?.

Para uma pequena empresária com duas lojas no Chacao, região nobre da capital venezuelana, o drama é outro. ?Consegui encontrar açúcar em farmácias, que vendem esses produtos quando estão em falta?, diz. ?Sabe quanto paguei por um saco de menos de um quilo? Cinco mil bolívares?, acrescenta, referindo-se a uma quantia superior a dois dólares. ?Um absurdo?.

A falta de açúcar é um sinal de que a economia venezuelana se aproxima de uma fronteira complicada, típica de uma economia aquecida, mas que ainda não construiu uma base produtiva para acompanhar saltos tão rápidos. A falta de açúcar reflete, também uma queda de braço de empresários contra a política de controle de preços do governo – situação que pode criar novos desgastes e anunciar conflitos.

A recente disparada nos rendimentos da população pobre – a mancha da pobreza caiu 30% de 1998 para cá – produziu benefícios muito saudáveis, como a elevação do consumo e do poder de compra em diversas áreas. Hoje, quem anda pelo metrô de Caracas muitas vezes tem dificuldade para caminhar pelos vagões em função da imensa quantidade de embrulhos e pacotes que consumidores recém-chegados ao mercado levam para casa.

O próprio mercado de classe média dá sinais de aquecimento, com se vê nas concessionárias de carros importados. Estimulado por uma política de crédito oficial generosa, que permite a qualquer pessoa dar 30% de entrada e pagar o resto em suaves prestações, a fila para a compra de um Toyota 0 km, por exemplo, pode chegar a oito meses.

O outro efeito é que a renda maior alavanca o consumo e pressiona a inflação, que chegou a 17% em 2006 e não pára de produzir notícias ruins para o governo. Conforme levantamento da Federação dos Professores, em dezembro a cesta básica subiu 3,8% – uma alta que, se não for debelada, inspira projeções tenebrosas para os próximos meses.

Para evitar uma alta descontrolada nos preços, tempos atrás o governo de Hugo Chávez fez uso de uma idéia conhecida pelos consumidores de diversos países, incluindo os do Brasil. Decidiu fixar e controlar o preço de itens de primeira necessidade, como o açúcar, o frango e o queijo. ?Seremos implacáveis?, adverte o xerife dos preços da Venezuela, Samuel Roth.

Embora nem todos os itens tenham sumido das prateleiras, muitas ameaças têm se revelado inócuas, até porque alguns preços começaram num patamar tão alto que se tornaram inacessíveis, como o peixe e a carne bovina. O frango, mais barato, tornou-se menos fácil de ser encontrado.

Salário mínimo

Até agora, a alta do salário mínimo tem ficado acima da alta dos preços. Nem há comparação. Se a cesta básica subiu 11 vezes de 2002 para cá, o salário subiu 16 vezes. Políticos aliados ao governo cobram iniciativas mais duras, pelo receio compreensível de que se inicie o desgaste inesperado de um governo que, em 2007, entra na etapa decisiva na discussão de reformas políticas para construir a Venezuela ?bolivariana e socialista? anunciada por Chávez.

A questão é um pouco mais grave do que essa, até porque mesmo um preço sensível e menos difícil de controlar, o dólar, que o governo tenta manter em 2.150 bolívares, já alimenta um mundo paralelo, onde chegou a ser negociada por 50% a mais nos últimos dias.

Num país dividido e radicalizado, conflitos dessa natureza costumam apontar para dificuldades maiores. Sempre em busca de uma fórmula para tirar Chávez do palácio presidencial, de preferência por atalhos golpistas, no final de 2002 empresários de oposição tentaram destruir seu governo por dentro, numa paralisação que envolveu lojas, armazéns e mesmo grandes empresas do agronegócio que alimentam o país, até que se produziu o colapso da produção de petróleo.

Em 2006, com receio de que faltasse comida após as eleições de dezembro, muitas famílias chegaram a fazer estoque de alimentos. A vitória de Chávez, com mais votos do que em sua eleição anterior, reconhecida imediatamente pelo adversário de oposição, serviu para aliviar as tensões. Mas o efeito não durou muito, como se vê agora.

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