Acesso a medicamentos ? Desilusão política

O Estado do Paraná tem sido palco de uma discussão política que contraria em absoluto a Constituição Federal, a qual compreende ao maior instrumento de proteção da sociedade, com enfoque ao direito à saúde, à vida e a dignidade. Contudo, na existência de interesses dos representantes políticos que não são condizentes com os interesses sociais, é a sociedade que perde e que provavelmente perderá ainda mais. Ao menos é o que se percebe das últimas declarações de políticos sobre a controvérsia do acesso a medicamentos, os quais declaram que na falta de orçamento deve-se mudar a Constituição Federal.

Mudar a Constituição Federal para a esfera política é a melhor saída, eis que a cada impossibilidade ou a cada falta de interesse na prestação dos interesses e necessidades sociais, eliminam-se direitos. Para a sociedade, conforme declaração de Fernando Henrique Cardoso recentemente na rádio CBN, é o modo pelo qual politizá-se o Direito, e substitui-se a esperança pela desilusão. O sentido normal, social e constitucional é de se fornecerem os direitos estabelecidos na Constituição, como a saúde e, automaticamente medicamentos. Porém, no Brasil, com enfoque aos últimos acontecimentos políticos do Paraná, a ordem normal é negar, contrariando as necessidades sociais e as determinações legais, e mais: propondo a alteração da Constituição, com a redução de direitos e com o aumento da politização do direito.

A sociedade precisa estar alerta para que o fato de que o artigo 6.º estabelece a saúde como direito fundamental, do tipo social, de eficácia plena e protegida pela progressividade. Este dispositivo dirige-se prioritariamente ao Poder Judiciário, eis que a este cabe a interpretação e aplicação da norma constitucional nos termos da própria hermenêutica constitucional. O artigo 196, por sua vez, versa sobre a programaticidade do direito à saúde, ou seja, como o Estado, como agente político, deve agir na esfera preventiva (antes da necessidade da tutela do Poder Judiciário), no sentido de prestar a saúde dentro de uma realidade orçamentária e temporária.

Em virtude do parágrafo 2.º, do artigo 5.º, da Constituição Federal, todos os direitos devem ser interpretados de acordo com a progressividade, ou seja, são irredutíveis, já que buscam a realização e proteção dos interesses da sociedade o bem comum. Desta forma, os conceitos inseridos na Constituição não podem ser interpretados de forma a serem reduzidos. Esta sistemática existe em virtude da proteção que a ordem internacional construiu em benefício ao direito internacional dos direitos humanos, o qual absolutamente incorporado pelo Constituinte de 1988. Desta forma, se o Constituinte estabelece que a saúde é direito fundamental, do tipo social, de eficácia plena e com conceito progressivo, não cabe ao Poder Judiciário alterar este entendimento.

A Constituição estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Em momento algum estabelece um conceito taxativo e nem mesmo enumerativo do que seja saúde. Desta forma, conjugando com a progressividade, tem-se que saúde envolve todos os conceitos que busquem prevenir, manter e restabelecer o bem estar com dignidade do interessado. Em virtude deste raciocínio é que se pode concluir que envolve os meios necessários para o atendimento médico, hospitalar, acesso a medicamentos, acesso a tratamento específico e exames necessários para o diagnóstico e restabelecimento. A justificativa política de que medicamentos não inclusos na lista do SUS não podem ser fornecidos é mais uma saída política para negar ao povo um seu direito.

Ocorre que à sociedade cabe a maior responsabilidade: que é a de conhecer os seus direitos para reclamá-los na esfera política e na esfera jurídica. Por outro lado, necessário também que a esfera política conheça a Constituição Federal para que se sinta, ao menos, constrangida em negar o acesso a medicamentos com base em uma lista do SUS que é inconstitucional. Ao final, esperamos que a esperança prevaleça sobre a desilusão através da manutenção do texto constitucional nos termos em que se encontra, mesmo porque até o presente momento não foi nem mesmo prestado à sociedade na íntegra.

Patrícia Luciane de Carvalho é advogada, professora universitária, autora da obra Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos (no prelo Editora Atlas) e coordenadora da obra Propriedade Intelectual Estudos em Homenagem à Professora Maristela Basso. patriciacarvalho@patriciacarvalho.adv.br

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