Acertar o passo

O governo Lula quer vender 7,5 milhões de computadores equipados com programas alternativos para promover a inclusão digital, combater a pirataria e socorrer os fabricantes de equipamentos, mas ele deveria antes dar um pouco mais de atenção aos plantadores de arroz que, depois de ter conquistado a auto-suficiência na produção do cereal, enfrentam sozinhos um problema que é de toda a nação. Na fronteira com o Uruguai e a Argentina há clima de guerra com a entrada de arroz a preço menor que o nosso, plantado com maquinário brasileiro, que, livre dos impostos aqui cobrados, custa praticamente a metade para o agricultor estrangeiro.

O problema acontece um pouco distante de Brasília, mas nem por isso tão longe a ponto de fugir ao controle do Planalto. Agricultores brasileiros estão procurando impedir, a seu modo, a importação de arroz argentino ou uruguaio que, devido à política de impostos nos países vizinhos, consegue chegar ao mercado brasileiro a preço inferior ao nosso. Como faz o governo argentino com as geladeiras, televisores, máquinas de lavar e outros eletrodomésticos produzidos no Brasil, deve também o Brasil tutelar os interesses dos produtores brasileiros. Ou negociar até encontrar uma solução plausível tendo em vista interesses múltiplos. Nunca lavar as mãos alegando que os rizicultores tupiniquins reclamam de barriga cheia…

Se há barriga cheia, esta será a do governo. Vejamos: uma colheitadeira automotriz de conhecida marca custa R$ 310 mil para os gaúchos ou brasileiros. Para os uruguaios, entretanto, a mesma máquina é vendida a R$ 235 mil – setenta e cinco mil reais a menos, mais que o preço de um bom trator que aqui custa, igualmente, quase o dobro da importância por ele paga (pouco mais de R$ 62 mil) no Uruguai. Nosso governo está subsidiando arrozeiros uruguaios com maquinário livre de impostos, enquanto crava os tentáculos da Receita Federal sobre brasileiros, asseguram produtores gaúchos inconformados com a falta de ação pronta e segura do governo federal. Repete-se, assim, qualquer coisa em versão piorada do quanto ocorreu com a soja no debate sem fim das sementes transgênicas.

O problema tem a ver com as normas – e os desentendimentos até aqui não superados acerca de tais normas – no seio do Mercosul. Aquele que deveria ser o mercado comum do Sul está sendo, na verdade, uma fonte permanente de desentendimentos e de mal-estar entre empresários, produtores e entre os próprios governos dos diversos países membros da organização. Segundo alegam os produtores (e não é apenas o caso específico do arroz) o problema é que as regras do Mercosul não são iguais para os mesmos setores. Os arrozeiros uruguaios e argentinos não pagam os impostos que os produtores brasileiros são obrigados a pagar. Nem na hora de plantar, nem na hora de colher e de vender. Nem mesmo na hora de preparar a terra. A diferença no preço de um trator, como vimos, chega a ser brutal.

Mas não é só isso. O protesto é ainda maior porque os produtores tupiniquins descobriram que, desde julho último, as importações de arroz estão livres do pagamento do PIS-Cofins. Isso dá outra enorme vantagem ao produto dos agricultores vizinhos, já felizes com nossos tratores e máquinas a preços pela metade. Lembre-se que se isso ajuda a indústria nacional de um lado, de outro é tiro no pé: no momento, a indústria de tratores e assemelhados, depois de um período de vacas gordas, passa por uma crise sem precedentes com o encolhimento da nossa safra agrícola, por sua vez atrelada à alta do petróleo e à queda do preço dos grãos no mercado internacional.

Seria muito bom se o governo brasileiro, historicamente tão preocupado com os subsídios agrícolas dos países ricos, procurasse acertar o passo também com os vizinhos. Com a atual disparidade nos custos de produção industrial e agrícola em toda a área do Mercosul, não será possível chegar a um entendimento relativamente à comercialização desses produtos. Nem na cebola, no milho, no arroz ou no alho. Nem na geladeira ou no trator.

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