Demorou, mas o governo finalmente reconheceu as falhas operacionais e desvios de conduta funcional no sistema de fiscalização das condições sanitárias e higiênicas da produção de leite no Brasil. A posição foi assumida pelo ministro da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa), Reinhold Stephanes, em audiência pública convocada pelo Congresso para debater a questão. O ministro classificou a fraude do leite perpetrada em cooperativas do Triângulo Mineiro como uma ação criminosa de quadrilhas.
Não é a primeira vez, porém, que um ministro de Estado desponta para encarecer que a omissão do governo não decorre da falta de dinheiro ou de pessoal, nem para apregoar que providências urgentes estão sendo tomadas para reparar o histórico desleixo da administração pública em desempenhar suas obrigações mais elementares, como a saúde das pessoas.
Entrementes, não será fácil convencer a sociedade de como um governo notabilizado pelo excesso de gastos com o funcionalismo só dispõe de um número escandalosamente pequeno de técnicos para cumprir tarefas importantes como a inspeção sanitária de produtos de origem animal.
Stephanes insistiu em falar das mudanças preconizadas pelo Mapa, dentre as quais a formação de equipes de três técnicos (dois médicos veterinários e um agente de inspeção sanitária), de agora em diante encarregadas da prestação de serviços de fiscalização das empresas produtoras de leite. Com a providência, a intenção do governo é estreitar a margem de manobra de empresários supostamente desonestos na tentativa de desestimular a oferta de suborno aos servidores públicos.
Apesar das boas intenções, as dúvidas persistem em função do inexpressivo número de servidores envolvidos na inspeção e fiscalização das condições sanitárias, tendo em vista o universo de 1,5 mil empresas e cooperativas produtoras de leite, por sua vez, obrigadas por lei a contratar um responsável técnico para as mesmas funções. O Mapa conta hoje com 180 fiscais fixos e 32 rotativos, realizando cerca de 10 mil análises diárias.
Preocupação adicional de grave significado para o governo e, acima de tudo, para os consumidores de leite foi exposta na mesma audiência por José Rubez, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Leite Brasil). Segundo ele, a produção anual chega a 29 bilhões de litros, dos quais mais de um terço (9 bilhões de litros) não seguem sequer os padrões mínimos de qualidade estipulados pelo Ministério da Agricultura.
Resta ainda um longo caminho até assegurar ao consumidor seus direitos de cidadania.