Exasperada se mostra a altercação a respeito da possibilidade ou não de ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos no processo do trabalho.
Eduardo Gabriel Saad é enfático em negá-la, resumindo a duas as formas de socorro desses direitos: “No âmbito da Justiça do Trabalho, os instrumentos de defesa dos interesses individuais homogêneos são a reclamação plúrima e o processo de dissídio coletivo” (A ação civil pública na Justiça do Trabalho. Processo do Trabalho. Estudos em homenagem ao professor José Augusto Rodrigues Pinto. Coord. Rodolfo Pamplona Filho. São Paulo: LTr, 1997. p. 407), no que é acompanhado pelo ministro José Luciano de Castilho Pereira (Ação Civil Pública. II Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. Foz do Iguaçu. Escola Nacional de Magistratura e Instituto dos Advogados de São Paulo. Dez/95).
Luiz Carlos de Amorim Robortella (Ação Civil Pública. II Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. Foz do Iguaçu. Escola Nacional de Magistratura e Instituto dos Advogados de São Paulo. Dez/95), na mesma linha, chega até a ser ainda mais restritivo, defendendo que “Na Justiça do Trabalho, a ação civil pública, é claro, só pode voltar-se à proteção de interesses difusos (…) supra-individuais, indivisíveis e indeterminados”, sem dono certo, como arremata. Quanto aos direitos coletivos, autoriza seu atendimento apenas quando supra-individuais e indivisíveis, sequer mencionando os direitos individuais homogêneos.
Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena preconiza que interesse difuso e interesse coletivo se equiparam, sendo os únicos passíveis de proteção através de ação civil pública. O difuso seria, em verdade, o centro de irradiação do campo da tutela jurídica prevista no inciso III do art. 129 da CF (Ações Civis Públicas no Direito do Trabalho. VI Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco. Escola Nacional de Magistratura e Instituto dos Advogados de São Paulo. 28.04.00 a 1º.05.00). Neste sentido, aduz ser “imprescindível, como condição sine qua non da constituição válida de um processo de ação civil pública, que o interesse nela inserido como objeto seja interesse efetivamente difuso. Não configurado este, falta à ação pressuposto válido de constituição do processo, a teor do art. 267, IV, do Código de Processo Civil, com o anteparo do art. 5º, LIV, da Constituição Federal” (ob. cit).
Em outras palavras, nega, veementemente, a viabilidade de defesa de interesses individuais homogêneos, pois ressalta que não há difuso emanado de indivíduos identificados ou de grupos de indivíduos que se aglutinam e se identificam sob formas contratuais preestabelecidas.
Em sentido mais brando, tem-se o pensamento do Eminente Ministro Ilmar Galvão (Ações Civis Públicas no Direito do Trabalho. VI Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco. Escola Nacional de Magistratura e Instituto dos Advogados de São Paulo. 28.04.00 a 1º.05.00), voltado para a admissibilidade de ação civil pública à defesa de interesses individuais homogêneos; entretanto, desde que estes tenham expressão para a coletividade, independentemente, por outro lado, de tratar-se de interesses e direitos que podem, por igual, ser defendidos judicialmente pelos eventuais e identificáveis prejudicados.
Em sentido oposto aos fortes argumentos antes destacados, outros estudiosos aceitam uma maior amplitude da ação civil pública.
Raimundo Simão de Melo responde: “O inquérito civil, em nível administrativo, e a ação civil pública, no âmbito da Justiça do Trabalho, surgem, nos dias atuais, como instrumentos efetivos de defesa não só dos direitos coletivos, mas, também, dos direitos difusos e individuais homogêneos no campo das relações de trabalho” (Alguns instrumentos de defesa do meio ambiente do trabalho. Revista de Direito do Trabalho: RT. 101. Ano 27 – jan-mar de 2001. p. 90).
O ministro Ronaldo Lopes Leal, ao discorrer sobre a extensão da tutela aos meros interesses, sustenta que nos textos modernos onde se estabelece a defesa contra as lesões difusas e coletivas, “as normas jurídicas não se detêm na tutela de direitos difusos e coletivo stricto sensu, incluindo os interesses ou direitos individuais homogêneos” (Competência do Ministério Público do Trabalho. Ações Civis Públicas com Ênfase à Segurança Bancária e à Segurança e Saúde no Trabalho. IV Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. Comandatuba – Bahia. Escola Nacional de Magistratura e Instituto dos Advogados de São Paulo. 06.11.97 a 08.11.97), lembrando, com propriedade, José Carlos Barbosa Moreira, que condena a restrição de tutela a direitos subjetivados: “O uso exclusivo da palavra direito, semanticamente agrilhoada à severa tradição dogmática, gera para certas posições de vantagem, desprovidas deste ou daquele atributo inerente ao conceito clássico de direito subjetivo, o perigo de ver-se relegadas à posição de inferioridade pelo prisma da tutela, no plano constitucional. De outro lado, o adjetivo individual sugere tratamento discriminatório, nesse mesmo plano, com relação aos direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) que não se refiram de modo específico a um titular – ou a certo número de titulares – nitidamente individualizados” (Ação Civil Pública. Revista Trimestral de Direito Público (separata), citado por Rodolfo de Camargo Mancuso em seu “Ação Civil Pública Trabalhista – análise de alguns pontos controvertidos – Revista do Ministério Público do Trabalho – set/96).
Rodolfo Camargo Mancuso segue essa mesma trilha, acentuando que, modernamente, já é dogma superado o de as posições jurídicas não subjetivadas ficarem à margem da tutela judicial: “Enfim, é a vitória do ser sobre o ter; é a priorização da relevância social do interesse sobre a titularidade, subjetivada, desse interesse” (Interesses Difusos e Coletivos. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. p. 85-110).
No direito do trabalho, se o dano causado pelo empregador é genérico e afeta grande número de empregados, emergem interesses individuais homogêneos que, pelo princípio ordinário, avocam agrupamento e importância social bastante para separá-los dos interesses caracteristicamente individuais, favorecendo, assim, uma tutela genuinamente coletiva, através de ação civil pública.
Luiz Eduardo Gunther é juiz do TRT da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.