Ainda tentando fazer ver à sociedade que não se encontra paralisado devido aos desdobramentos inevitáveis do caso Waldogate, o governo pega pela proa outro debate não menos indigesto que o primeiro: as lideranças maiores do Movimento dos Sem Terra – MST decretam o fim da trégua concedida ao governo e prometem “infernizar” o cenário nacional com nova onda de invasões.
O objetivo do crime anunciado é, segundo disse Pedro Stédile no sábado que passou, durante um encontro de movimentos sociais no Mato Grosso do Sul, obrigar o governo a acelerar a reforma agrária. Abril, disse ele, será o “mês vermelho”. Do outro lado da linha, o governo que promete assentar pelo menos 115 mil famílias este ano, até agora só realizou pouco mais de quatro mil assentamentos, embora repita que dispõe de recursos e que a reforma agrária continua uma prioridade.
Imediatamente algumas lideranças da política nacional já correram aos microfones para cobrar reação imediata e enérgica do governo às ameaças de Stédile. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, observou que essa declaração de que vai fazer do Brasil um inferno é uma clara incitação ao crime e à violência e exige uma providência imediata do governo. “Exigimos – disse – em nome do respeito à Constituição, que o governo enfrente o MST e combata com firmeza as ações ilegais.” No ano passado, ele fez coisa parecida ao incitar os sem-terra marcharem contra os fazendeiros, confiantes em sua maioria no confronto (mil contra um). “O que nos falta – disse, então – é nos unirmos, para cada mil pegarem um.” Não aconteceu como Stédile queria, mas as estatísticas da violência no campo registraram uma elevação sem precedentes.
A União Democrática Ruralista também reagiu com firmeza, e prometeu entrar com representação no Ministério Público Federal pedindo a prisão do líder do MST, por incentivar a invasão de propriedades. O presidente da entidade, Luiz Antônio Nabhan, entende que o que Stédile está fazendo é “propaganda de processos violentos e ilegais e ameaçando a ordem pública”.
Resguardadas as proporções, o MST age como agem os bandos internacionais de terroristas. Faz parte de sua lógica espalhar a incerteza, o terror e manter o governo sob pressão com repetidas ameaças de invasões e ocupações de terras, fazendas e propriedades públicas ou particulares. O governo, por sua vez, se tem compromisso com a manutenção da ordem pública, tem também a obrigação de garantir o estado de direito – isto é, todos são livres para expor suas idéias e manifestações. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já se manifestou dizendo que “vivemos em um Estado de Direito, reconhecemos o direito de reivindicar e protestar, mas nada fora da lei”. Essa posição, em tese, daria ao MST a vantagem de dizer o que quisesse, inclusive fazer ameaças, desde que não partisse para a ação que anuncia.
Ocorre que, paralelamente ao anúncio de novas invasões programadas e coordenadas para “infernizar” o Brasil inteiro, já estão ocorrendo de novo atos de desrespeito à lei em quase todo o País, certamente em preparação para o ato de “infernizar” e comemorar (não se sabe em que sentido) o 8.º aniversário do massacre de Eldorado de Carajás, que ocorre exatamente em meados de abril (dia 17). No Pontal do Paranapanema, outro líder dos sem-terra, José Rainha Júnior, movimenta suas “tropas” em direção a cidades do extremo oeste de São Paulo, colocando mais lenha na fogueira arquitetada por Stédile. Em Pernambuco, em apenas dois dias, sete áreas foram invadidas, incluindo fazendas em plena atividade. Também no Paraná as invasões recomeçam. Tais atos citados apenas como exemplo não deixam dúvidas de que o propósito de “infernizar” é para valer, não um discurso agressivo circunscrito a debates acerca de princípios democráticos…
É preciso, pois, que o governo vença seu aparente imobilismo também nesta área e tome as medidas necessárias e antecipadas, assim como o anúncio das invasões está sendo feito por antecipação. Afinal, governo não existe para fazer discurso e, sim, para garantir o cumprimento do grande pacto chamado Constituição. O resto é demagogia ou escapismo.