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O aborto de feto anencéfalo voltará a ser discutido pelo STF segundo a pauta do Tribunal Constitucional. Atualmente a legislação brasileira autoriza o aborto em duas hipóteses (aborto legal): quando houver risco de vida da gestante e gravidez resultante de estupro.

A anencefalia, sob o ponto de vista médico, é caracterizada pela ausência total ou parcial do cérebro do feto, porém, na prática, é leigamente tratada como toda má formação cerebral.

Em nenhum destes casos esta patologia é considerada justificativa legal para a prática do aborto. Se analisarmos a letra fria da lei, a mãe teria que aguardar o aborto espontâneo ou ficar os nove meses de gestação com a criança que sabe possuir nenhuma poucas chances de vida extra-uterina. Nos casos de anencefalia, a expectativa de vida, quando houver, é sempre muito curta e o grau da anencefalia apenas vai determinar quão curta será essa expectativa. É justamente essa “tortura psicológica” que fez iniciar a discussão do procedimento abortivo nestes casos.

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É fato que a lei não ampara esta hipótese, mas também é verdade que nos tribunais não são poucos os Juízes que autorizam a prática, justamente em nome da saúde psicológica da mãe e de princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Pesam argumentos contrários de natureza religiosa, uma vez que, tecnicamente, é indiscutível que a vida após o nascimento é absolutamente inviável.

A fé de cada pessoa deve ser respeitada e há de ser garantida pela Lei, porém será que teria força suficiente para justificar o sofrimento exacerbado de um ser humano num estado democrático de direito?

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Ao estabelecer possibilidades de aborto legal, o Código Penal, em 1940, pensou nas hipóteses que se apresentavam ao legislador à época, ou seja, da gravidez violenta e risco de vida da mãe. É claro que já existia a anomalia cerebral em 1940, mas não passava pela cabeça do legislador a possibilidade de se antevê-la com segurança inquestionável durante a gestação.

Toda a discussão se resume a se permitir ou não que a mãe pratique a antecipação terapêutica do parto (aborto) para diminuir ao máximo o seu sofrimento, afinal passar nove meses gestando seu filho que irá morrer logo após o nascimento causa traumas enormes e, por vezes, irremediáveis.

A falta de legislação aplicável já foi enfrentada em outros casos de aborto como, por exemplo, o resultante de atentado violento ao pudor (a lei menciona apenas estupro), prática sexual violenta cujos anais da medicina, à época da elaboração do Código Penal, não indicavam ser possível, ou provável, engravidar a vítima. Como o legislador unificou os crimes de atentado violento ao puder e estupro neste último, não há mais o que se discutir.

A exata dimensão do que significa a gravidez de um filho anencéfalo só pode ser dada pela mãe. Acredito que nem o pai tenha esta condição, embora não desconsidere o seu sofrimento, o trauma pelo qual passa e sua opinião a respeito da decisão de interromper a gestação. Porém, a meu ver, será a mãe, e somente ela a pessoa que poderia decidir se deve ou não manter a gestação até o seu final.

Não me parece justo ou correto, conceitos diferentes, o Estado obrigá-la a continuar sua gestação contra a sua vontade, fazendo com que ela passe pelo drama de cultivar a vida que não se sustentará fora de seu útero. A mim me parece antagônico a medicina avançar a ponto de se descobrir uma doença em um feto e a lei não permitir que a mãe, caso deseje, tome uma medida que preserve a sua saúde mental e evite tamanho sofrimento.

Ao STF foi incumbida a missão de dizer se o Estado Brasileiro pode exigir este sacrifício da mãe, em detrimento do mal que possa sobrevir em virtude desta gestação traumática.

Mauro César Bullara Arjona é advogado criminalista do escritório Salusse Marangoni Advogados e professor de Direito Penal e Prática Penal e Processual Penal da PUC-SP