Abandono às raízes

As alianças que se fazem para o próximo pleito exigiram dos partidos coligados rompimento com suas raízes e programas. Para ganhar as eleições, agora vale tudo. É lobo fingindo de vovozinha, candidatos camaleônicos, engolidores de sapos e o que mais seja preciso para tornar viáveis entendimentos esdrúxulos, que não guardam entre si similitude alguma, mas unicamente o objetivo de vencer o pleito. E se é este o único objetivo dos candidatos, choca-se de frente com os objetivos do eleitorado, pois este o que quer é governos coerentes e capazes de enfrentar com garra os problemas nacionais e regionais. E, para isto, é preciso que os eleitos componham um grupo de políticos o mais homogêneo possível, com idéias, propósitos e programas comuns. Um mínimo de coerência. Pelo quadro que aí está posto,

vamos eleger muita cruza de cobra com jacaré.

Mas vem da França uma lição que já é hora de começar a ser pensada por aqui, pois este rompimento com as raízes levará um dia à necessidade de os partidos e candidatos retornarem às suas origens, recuperando autenticidade.

A co-líder do outrora poderoso Partido Comunista da França, Marie-George Buffet, sob pressão para renunciar depois do desastroso desempenho dos comunistas nas eleições presidenciais e parlamentares, apelou à sua legenda para que volte às suas raízes anticapitalistas a fim de evitar a extinção. O Partido Comunista francês falhou em sua estratégia de participar de coalizões socialistas. “Devemos nos decidir sobre como podemos contribuir para dar à luz uma genuína alternativa contrária ao capitalismo e contrária ao livre mercado”, disse Marie-George em uma conferência de dois dias, realizada em Paris. Ela participou, como ministra, do governo Jospin.

“A questão é: pode-se ser um partido do governo e um partido do progresso social? “- indagou. E apelou para que os comunistas se oponham às reformas econômicas defendidas pelo governo Jacques Chirac, de centro-direita, que alijou os socialistas de Jospin. Alas ortodoxas e tradicionais do Partido Comunista consideram que o desempenho desastroso da legenda nas eleições francesas deste ano comprovaram o fracasso das tentativas de Buffet e do outro líder vermelho, Robert Hue, de modernizar o partido.

No Brasil, o quadro de conscientização político-ideológica é outro. E os acordos firmados, em especial os que envolvem comunistas e demais alas das esquerdas, também. Aquele não tem clara percepção ideológica e os acordos, ao contrário dos fracassados na França, reúnem grupos muito mais distantes do que aquele que, unindo-se na Europa, fracassou. Aqui, unem-se até esquerda e direita, enquanto na França os comunistas naufragaram por ousar unir-se aos socialistas, também de esquerda, porém menos ortodoxos. Não se estranha que, quando a cúpula do PT aprovou a coligação com o PL, lançando José Alencar como vice de Lula, o acordo tenha passado pelo apertado escore de 34 a 30 votos. É que no Partido dos Trabalhadores ainda existe, mesmo que silenciosa, uma facção que é quase a metade do partido e ainda está presa às raízes da agremiação. A advertência que vem da França faz pensar que esses acordos exdrúxulos podem vingar por ora, mas qual será o seu futuro?

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