A virgindade e a impotência

Roberto Campos, o falecido ex-ministro, ex-senador, ex-deputado federal, era economista, piadista e diplomata. Há algumas décadas, numa reunião internacional, ouvia um discurso do representante de um pequeno país subdesenvolvido. Dizia o diplomata estrangeiro que em seu país os juros eram baixos, as contas internas e externas do governo estavam equilibradas, não havia déficit público. Enfim, no caderno a lição merecia nota dez. Roberto Campos ouvia com atenção o discurso de seu colega e mantinha no canto dos lábios um sorriso malicioso. Pensava: trata-se de um país em que há uma péssima distribuição de riquezas, tem indústria, agricultura, comércio e setor de serviços atrasadíssimos, alto nível de analfabetismo e graves problemas de segurança e saúde pública. Problemas que conhecemos aqui no Brasil, alguns em escala muito maior porque o país de que se falava era pequeno em relação a este gigante deitado em berço esplêndido. Roberto Campos era o rei da ironia e, em certo momento, não agüentou e pediu um aparte ao diplomata que estava discursando.

Disse: “Sabe vossa excelência que a virgindade só é uma virtude quando não resulta da impotência”. Hoje em dia, nem virtude é. Queria significar que o país do orador estava em absoluta ordem em suas contas, mas nada tinha e seu governo nada fazia. Não arriscava a busca de recursos de terceiros, internos ou externos, para empreendimentos. Não se desenvolvia nem solucionava os problemas graves de seu povo. Para tanto, precisaria de dinheiro e desequilibraria o belo balanço de pagamentos que era motivo de orgulho do seu governo.

O risco, em certa medida, é inerente ao desenvolvimento e precisa ser aceito, seja por pessoas físicas, empresas ou mesmo por governos. As dívidas a gente empurra com a barriga, já dizia Delfim Neto. Só que não precisam ser tão grandes que necessitem uma barriga tão grande quanto a do nosso ex-ministro e político paulista. O risco calculado é admissível e até sadio. A virgindade das contas, para os que acreditam ainda que é uma virtude, também pode significar estagnação, sonegação de direitos e renúncia ao progresso.

É preciso que o nosso atual governo federal pense nisso. Ele vem fazendo economia com mão-de-vaca. Não só evita desperdícios, o que é indispensável, como corta investimentos que já estavam em andamento e posterga iniciativas que iriam atender às demandas públicas. Gaba-se de haver economizado muitos bilhões. Enquanto isso, em seu próprio seio surgem críticas. “Está batendo cabeça.” Não pauta os trabalhos do Congresso pedindo iniciativas legislativas. Demora para desenvolver programas, como o Fome Zero, o primeiro, prioridade das prioridades, mesmo sendo dependente mais de recursos não-governamentais que governamentais. Enquanto isso, baixam auspiciosamente o risco-Brasil e as cotações do dólar, que tanto penalizaram o nosso país nos últimos meses do governo passado.

E o fluxo de investimentos, seja interno ou externo, fixo ou de empréstimos, não chega no ritmo e volume necessários, apesar de o mercado ver, nos esforços por uma política financeira ortodoxa, garantia de segurança. Talvez seja hora de perder um pouco da virgindade, tomando alguns viagras que, de vez em quando, interrompam tanto bom-mocismo. É hora de arriscar um pouco, pois precisamos de empregos, que só virão com desenvolvimento econômico.

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