Vem de completar 20 anos de existência o Superior Tribunal de Justiça. Filho fidedigno da Constituição cidadã, o STJ, desde 1989, tem intentado zelar pela interpretação do direito federal.
É inegável a árdua tarefa para a qual foi instituído. Tal repto se manifestou primo ictu oculi desde sua criação, nucleado na ordenação jurisprudencial de um campo que Paolo Grossi, no estudo em homenagem a Santi Romano, denominou de direito privado comum, atento à validade técnico-jurídica, cultural e ética para realmente representar “genuína conquista della odierna civiltà giuridica” (à página 688 da obra “Nobiltà del Diritto. Milano: Giuffrè Editora, 2008).
Na realização de seus afazeres, os trinta e três ministros que presentemente integram o quorum dos colegiados daquele Tribunal estão a perceber a colheita do labor desses anos transcorridos. É inegável que o STJ se consolidou como o tribunal do Brasil e da cidadania brasileira no julgamento de quase três milhões de processos em duas décadas. Sob o seu crivo questões nucleares receberam mais de trezentas súmulas.
De modo especial, impende referir a realização das jornadas de Direito Civil, por meio do Centro de Estudos da Justiça Federal, nas quais prestou à comunidade jurídica brasileira e a todo o País enorme contribuição na glosa do novo Código Civil brasileiro, editando dezenas de enunciados interpretativos sobre atos, fatos e negócios jurídicos, bem assim quanto aos fenômenos da posse, propriedade, empresa, contratos, obrigações, famílias e sucessões.
No terreno desse labor ao longo de seus afazeres históricos, o Paraná se faz presente no STJ com o Ministro Félix Fischer, nomeado em 1996, na vaga do Ministério Público, e com a Ministra Denise Arruda, magistrada paranaense que também se destaca desde sua nomeação em 2003.
Foi o STJ plasmado nos moldes da tarefa consistente em promover a hermenêutica infraconstitucional e sob essa árvore da prestação jurisdicional vem colhendo os frutos que recomendam aplauso e reflexão.
Os desafios perduram. Em 2008, mais de 354 mil processos foram apreciados, sendo que, em média, o STJ recebe diariamente 1,2 mil processos.
Mais que contagens, arrostam também os horizontes do STJ as questões qualitativas da justiça penal, da liberdade e das diferenças nas relações sociais, do direito privado de mote econômico, e especialmente os temas decorrentes da cibernética e dos avanços tecnológicos sobre bens, interesses e pessoas.
Ainda mais, tem o STJ sido (e continuará sendo) destinatário da judicialização das demandas próprias de uma sociedade não homogênea e assimétrica, caracterizada (nas palavras de Celso Furtado) por “estruturas sociais frágeis e heterogêneas, posto que resultantes de alguns decênios de concentração de renda conjugada com baixo crescimento” (à página 27, no prefácio à obra “Industrialização e Desenvolvimento”, editada pela Quartier Latin, e de autoria de Avelãs Nunes, catedrático de Economia Política e atual vice-reitor da Universidade de Coimbra).
O pretérito do Tribunal tem se plasmado nos moldes de uma Constituição que se quer viva, um texto que se quer efetivado para todos, sem embargo das sístoles e diástoles próprias de uma sociedade plural, complexa e em expansão. Inexistem respostas prontas aprioristicamente. Cumpre aqui sempre lembrar Oliver Wendell Homes Junior, ministro da Suprema Corte norte-americana, ao afirmar que a Constituição “is an experiment, as all life is an experiment”.
Ao presente do STJ se traduzem ao menos dois sentimentos: o primeiro é o da atenção simples, direta e imediata que se reclama voltada ao desassossego das pessoas que batem às portas da Justiça. Não nos esqueçamos: “o mais importante corre na sombra -escreveu Cristovão Tezza à página 163 do livro O filho eterno – antes na didática dos gestos, da omissão e da aura que nos discursos edificantes, lógicos e diretos”. E o segundo anseio é o de transformar a justa comemoração desses vinte anos em celebração permanente da verdadeira Justiça, que deve ser mais que palavra nos manuais de Direito.
Luiz Edson Fachin é professor da UFPR e da PUCPR.